A onda de calor que passa pelo Brasil desde 14 de março e deve se dissipar a partir desta quarta-feira (20/03) levou o consumo de energia no país a níveis recordes. E também levantou questões sobre os impactos das altas temperaturas em um sistema com participação crescente da energia solar.
Em alguns pontos, considerando o efeito de aquecimento dos sistemas fotovoltaicos, a perda de eficiência pode ter chegado a 15% nessa última onda de calor, estima o líder estratégico de soluções em marketing e comunicação da Tempo OK, Caetano Mancini.
“Alguém que tem um senso comum acha que porque vai ter um período de sol naturalmente a geração vai apresentar um bom desempenho, mas não necessariamente. Porque a temperatura do ar pode impactar na temperatura do painel, se não tiver nebulosidade. A temperatura ideal no painel é da ordem de 25 graus, mais ou menos, é o padrão da indústria para teste e avaliação”, disse Mancini à pv magazine na última sexta-feira (15/03).
Ele diz que, em média, os módulos dos sistemas solares apresentam uma redução de eficiência da ordem de 0,4% a cada grau Celsius que o painel fica acima de 25 graus.
“Ali na região de São Paulo e Minas Gerais, temos temperaturas do ar podendo eventualmente ficar cinco graus acima da média que daria entre 35, 40 graus. E no painel esse temperatura pode chegar a 50, 60 graus. Então, isso daria uma queda de eficiência em torno de 10%, 15%, mais ou menos”, disse Mancini.
Complementaridade entre consumo e geração…
Apesar da perda de eficiência com as altas temperaturas, a participação da geração solar no atendimento à carga segue crescendo. A geração fotovoltaica coincide com o horário de pico da demanda, associado ao calor elevado.
“A fonte solar fotovoltaica tem sido cada vez mais fundamental no suporte ao Sistema Interligado Nacional (SIN) em momentos de elevação das temperaturas, um desafio que pode se tornar ainda mais frequente com o aquecimento global em curso. Além de proteger o bolso do consumidor, a energia solar evita as emissões de gases de efeito estufa na geração de eletricidade do país, pois é uma fonte que não emite nenhum gás, líquido ou sólido durante a sua operação”, diz opresidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia.
Com isso, a fonte solar ajuda, na prática, a diminuir a pressão sobre o sistema elétrico nacional, contribuindo para diminuir custos sistêmicos que seriam pagos pelos consumidores do país, avalia Sauia.
No dia 5/11/23, a fonte chegou a atender 36% da demanda instantânea do Brasil, de acordo com o ONS, considerando a geração distribuída e centralizada. Em novembro de 2023, a fonte atendeu 10% da demanda média mensal do Brasil, segundo o operador. No Nordeste, a participação no atendimento da carga mensal chegou a 19,4% em janeiro de 2024.
Participação de renováveis na matriz e rampa de carga
Incluindo quase 28 GW em sistemas de geração distribuída, a fonte solar soma atualmente 40 GW,o equivalente a 17,4% da capacidade instalada na matriz elétrica brasileira, a frente da eólica, que tem 14,8% da geração centralizada (13% se considerada a matriz com GD). Juntas, solar e eólica têm mais de 30% de participação na capacidade de geração no país.
Um estudo do Ministério de Minas e Energia, da Empresa de Pesquisa Energética e do Operador Nacional do Sistema, em parceria com agência do governo alemão GIZ, “Sistemas Energéticos do Futuro: Integrando Fontes Variáveis de Energia Renovável na Matriz Elétrica do Brasil”, concluiu que é possível aumentar a participação dessas fontes renováveis variáveis para mais de 40% até 2026, mantendo critérios de confiabilidade, segurança e estabilidade do sistema.
Ao mesmo tempo, a crescente participação da fonte na matriz demanda uma maior capacidade de armazenamento de energia e ativos rapidamente acionáveis para suprir a demanda que foi atendida pela fonte solar durante o dia. Neste ano, essa rampa de carga pode variar entre 25 GW e 30 GW.
Recordes sucessivos de carga atribuídos às ondas de calor
Na sexta-feira (15/03), a demanda instantânea de carga do SIN chegou a 102.478 MW, às 14h37. O novo recorde foi impulsionado a última onda de calor que passou pelo país – no domingo (17/03), a sensação térmica na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro chegou a 62,3°C
A energia renovável atendeu 92,5% dessa carga, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Ainda na última sexta-feira do verão, houve recorde de carga média diária no valor de 91.338 MWmed. A fonte solar foi responsável por atender cerca de 9% da demanda diária nesse dia.
De acordo com o Operador Nacional do Sistema, desde novembro de 2023, o Sistema Interligado Nacional (SIN) vem registrando sucessivos recordes na demanda instantânea de carga, em função das ondas de calor. O ano de 2023 foi o mais quente da história no Brasil e no mundo, sob a influência do fenômeno El Ninõ.
Sai El Ninõ, entra La Niña
“A gente teve um El Niño com alguns recordes de temperatura, em setembro, novembro, em janeiro, com peso muito grande. Isso contribuiu para que a gente tivesse alguns recordes de temperatura em grande parte aqui do Sudeste do Brasil, com alguns eventos de ondas de calor persistentes e em novembro a gente teve episódios com 10 graus acima da média”, diz o líder estratégico de soluções em marketing e comunicação da Tempo OK, Caetano Mancini.
A Tempo OK presta serviços de inteligência meteorológica para o setor elétrico desde 2014, com mais de 500 parques eólicos e solares atendidos, incluindo geração centralizada e distribuída. Evo Solar, GD Sun e Auren são alguns dos clientes da empresa, que também participa do projeto Meta II do ONS.
O El Niño e a La Niña são fenômenos que ocorrem na região do Pacífico Central que, por ser a maior região do planeta, influencia o globo de forma geral, explica o meteorologista. O El Niño, em termos gerais, é um aquecimento dessas águas do Pacífico Central, enquanto a La Niña é um resfriamento.
“O que acontece, de forma bem prática, é o aumento da evaporação na maior região do globo, que começa a mexer com a forma como os vento se movimentam no planeta inteiro. Isso gera um impacto natural no que a gente chama de circulação geral da atmosfera e nos padrões de chuva”, diz Mancini sobre o fenômeno El Niño.
No Brasil, em termos gerais, nos anos influenciados pelo El Niño, como foi 2023, há mais chuvas concentradas no Sul do país e um ambiente mais seco no Norte e no Nordeste.
“O Sudeste é uma região de transição. Entre esses dois ambientes, mais chuvoso no Sul e mais seco no Norte/Nordeste. Então a região fica numa espécie de ‘limbo’, onde a previsibilidade é mais baixa e é necessária a compreensão de mais fatores, dentre as quais o El Niño acaba sendo mais uma peça”, diz Mancini.
Já no La Niña, a tendência se inverte, com Norte e Nordeste mais favoráveis a ter chuvas volumosas, enquanto o Sul fica mais seco. Para o Sudeste, em ambos os casos, outras variáveis podem influenciar o comportamento.
A Tempo OK oferece para usinas de geração, entres diversos serviços meteorológicos incluindo um software próprio de O&M, incluindo previsão de mudança de padrões, com meses de antecedência.
“Essas análises de longo prazo são muito mais para ter uma ideia do padrão e fazer a gestão do risco operacional e o posicionamento estratégico com mais respaldo. Aí fica critério do cliente, mas a gente tem aqui um cenário que capta muito bem esses padrões, com dois, três, quatro meses de antecedência. A gente também oferece alguns cenários de limite superior e inferior, com um range um pouco maior. É possível enxergar mais ou menos os movimentos que o ONS vai fazer também, em termos de despacho de energia, de intercâmbio”, comenta Mancini.
O especialista diz que o El Niño já vem enfraquecendo e a transição para a La Niña deve começar a correr a partir de julho e agosto. Apesar de o período de outono inverno ter normalmente uma safra mais baixa de geração solar, a Tempo OK vê um padrão mais favorável para pra geração solar nessa época do ano.
“A gente vai ter uma maior frequência de dias mais ensolarados até outubro, no outono e no inverno, então é possível que a gente tenha um bom desempenho da geração solar aí para os próximos seis meses. Mas a expectativa, pensando numa La Ninã é que a região Norte fique mais favorecida para chuva, então pode ter um impacto na geração solar no Nordeste, a partir de setembro, outubro. Mas a região do Sudeste como a gente discutiu, ainda é uma incógnita atualmente”, comentou.
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