Mulheres Solares: conheça as histórias de profissionais que brilham no setor solar brasileiro

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As fontes renováveis, como a energia solar, são estratégicas para combater a crise climática e, por consequência, preservar as condições de vida no planeta. Para que essa necessária transição energética seja justa, ela deve incluir a dimensão social, tanto do ponto de vista da universalização da energia, renovável e acessível, quanto da geração de empregos. E a maior diversidade nessa força de trabalho, com mais mulheres envolvidas no processo, faz parte do desafio de realizar uma transição energética justa.

Apesar disso, a participação de mulheres no setor solar no Brasil pode estar abaixo da média global, considerando os últimos dados disponíveis. Um estudo da Irena publicado em 2022, referente a 2021, estimou essa participação em 40%. Já no Brasil, uma pesquisa realizada em 2019 pela Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (Mesol) identificou que a participação das mulheres no setor solar brasileiro, na média histórica entre 2012 e 2019, era de 32%. Só no setor de geração distribuída, segundo estudo publicado pela Greener, a participação de mulheres cresceu, em 2022, para 24%.

Cabe lembrar que a participação feminina no mercado de trabalho como um todo é de 44%, enquanto homens representam 56%, segundo dados do IBGE para o terceiro trimestre de 2022. Ou seja, a participação das mulheres no setor solar está abaixo da proporção de mulheres no mercado de trabalho brasileiro.

Para conhecer melhor algumas das mulheres que conseguiram encontrar o seu lugar e deixar sua marca no setor solar brasileiro, a pv magazine entrevistou cinco profissionais que atuam em diferentes áreas do segmento fotovoltaico:

Bárbara Rubim é advogada especialista em regulação do setor elétrico, é CEO da Bright Strategies, consultoria voltada à estruturação de negócios em energias renováveis e vice-presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Clarissa Zomer é arquiteta, doutora em Engenharia Civil, especialista em sistemas fotovoltaicos integrados à arquitetura e fundadora da Arquitetando Energia Solar que presta consultoria, realizar projetos, e oferecer cursos e palestras sobre arquitetura solar. 

Natália Maestá é engenheira e CEO da Fonte Solar, empresa integradora no Distrito Federal com mais de 16 MW em projetos, incluindo armazenamento. Em 2023 foi nomeada embaixadora da Victron Energy, empresa especializada em inversores híbridos e baterias de armazenamento.

Sheyla Santiago é engenheira eletrônica e de telecomunicações e a CEO da empresa integradora mineira Horizonte Sistemas Inteligentes de Energia, com mais de 300 MW em projetos realizados.

Vanessa Martins é engenheira de energia e mestra em Eficiência Energética, é CEO da VM Projetos e Consultoria em Geração e atua desde 2017 na área de geração de energia distribuída, contabilizando mais de 1.200 projetos aprovados em distribuidoras.

Inspire-se com as experiências e opiniões dessas mulheres que estão moldando o futuro da energia solar!

A entrada no mercado de energia solar: ocupando espaços de direito

Quem vê essas mulheres em cargos de liderança ou à frente de seus próprios negócios pode ter a impressão de que não houve desafios em suas trajetórias profissionais. A pv magazine perguntou se elas enfrentaram dificuldades e como foi a jornada até ocuparem seus espaços, conquistando o respeito e admiração dos colegas.

Para Bárbara, o maior desafio foi lidar com homens mais velhos enquanto estava no início da carreira. “Por acharem que eu era uma mulher muito nova, não tinham tanta confiança para que eu lidasse com as negociações. Tive que me impor para ocupar esse lugar que era meu. Mas, por um lado, vejo que foi positivo, pois isso reforçou minha resiliência e minha postura afirmativa”, comenta.

Bárbara Rubim, em Masterclass da sua consultoria Bright Strategies.

A vivência de Sheyla a fez perceber que, no início, até mesmo os clientes tinham dúvidas sobre a presença de uma mulher na obra, questionando se ela iria subir no telhado e montar uma usina, ainda que esse não fosse o seu papel como engenheira. Porém, ela destaca que essa dificuldade foi superada rapidamente, ao ponto de os próprios clientes passarem a indicar seu trabalho. “Independente do mercado, quem soma fortalece. Gostamos de ajudar colegas que já passaram por situações semelhantes, então isso só nos gerou respeito e carinho”.

A engenheira conta que precisou se provar pelo conhecimento. Sheyla diz que, prevendo a mudança de legislação de 2017, coube a ela garantir a sobrevida da sua empresa até conseguir vendê-la em 2023. “Estar preparado não quer dizer ir mais rápido ou fazer mais vendas, mas ter inteligência e planejamento. Assim, pude garantir a saúde e a permanência da minha empresa nesse mercado”.

Sheyla Santiago, engenheira e CEO da Horizonte Sistemas Inteligentes de Energia.

Vanessa também enfrentou desafios, mas conseguiu contorná-los. “Posso afirmar que não tive problemas que não fossem facilmente contornados ou não pudessem ser evitados. Em grande parte da minha história no setor, me senti bastante respeitada. Quando senti desconforto, questionei o tratamento, embora eu entenda que nem todas as mulheres possam fazer o mesmo.”

Engenheira Vanessa Martins em palestra.

Na experiência de Clarissa, as dificuldades vieram mais por ser arquiteta do que por ser mulher. “Sempre senti que pensam que uma arquiteta não tem tanta expertise quanto um engenheiro. Gosto de compartilhar minha bagagem como pesquisadora no Laboratório Fotovoltaica da UFSC, onde atuei por 17 anos, mas muitas vezes recebo comentários em tom de deboche. No entanto, isso não me abala, pois sempre fui muito segura do meu conhecimento”.

A arquiteta Clarissa Zomer ao lado de uma instalação solar.

Natália também relata que enfrenta alguns comentários que exigem uma afirmação do seu conhecimento. “Em algumas execuções, muitos técnicos dizem que obra não é lugar de mulher. Mas me posiciono, faço perguntas que eles não sabem e explico a forma correta de executar como profissional. Assim, ganho o respeito dos instaladores”.

A engenheira conta que, entre alguns momentos em que foi discriminada por ser mulher, o mais desafiador foi quando um cliente entrou em contato com a sua empresa e, na hora em que ela chegou como engenheira, o cliente se chocou. “Quando falei que iria verificar a parte elétrica, ele disse que já havia fechado com outra empresa. Na realidade, ele não havia entrado em contato com ninguém, apenas não quis fechar o serviço com uma mulher.”

Natália Maestá, engenheira e CEO da Fonte Solar.

Trabalhadoras mais jovens e em menos cargos STEM

Em relação ao perfil das trabalhadoras do setor, um estudo da MESol constatou que a mão-de-obra feminina é ligeiramente mais jovem do que a masculina, com quase 60% das mulheres com idade entre 25 e 39 anos em 2019. Além disso, as mulheres tendem a ser mais escolarizadas que os homens no setor. Entretanto, ainda que em igualdade de características como escolaridade e experiência, os homens ganham, em média, 31% a mais que suas colegas de trabalho. Em relação às carreiras técnicas como as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (as chamadas Stem, na sigla em inglês para science, technology, engineering and matematics), apenas 4,8% delas as seguiam em 2019, contra 8,4% dos homens.

Os desafios e a representatividade na formação

As mulheres no setor de energia solar são altamente escolarizadas. De acordo com levantamento da MESol com base em dados do Ministério do Trabalho e Emprego, quase metade das mulheres empregadas no setor, 42,6%, tem pelo menos ensino superior e 50,2% têm algum tipo de especialização ou pós-graduação, mestrado, doutorado ou pós-doutorado.

Em comparação, o nível de escolaridade entre todos os profissionais do setor solar, incluindo homens e mulheres, é menor. A maior parte tem apenas o nível médio (49%), seguido pelo nível superior (38%) e pós graduações (13%), de acordo com levantamento do programa Profissionais do Futuro.

Por isso, a pv magazine pediu que essas profissionais comentassem como foi a sua experiência durante a graduação em suas respectivas áreas, qual era o percentual feminino em suas turmas e se enfrentaram desafios nesse período.

Bárbara comenta que não sentiu uma diferença de gênero na faculdade de direito, principalmente porque o curso tem uma boa representatividade feminina nas turmas. “Nunca senti nenhuma discriminação porque sou advogada, e o curso tem uma predominância maior do sexo feminino nas formações. Na minha turma, eu diria que 60% eram mulheres. Isso fez com que a minha entrada no setor de energia fosse chocante, pois eu não tinha esse parâmetro de conviver rodeada por homens. Um comentário frequente era de que eu era estagiária, por ter 22 anos, embora eu já coordenasse uma área de energia”, relembra.

Já para Vanessa Martins, o período de formação teve mais presença masculina, e ainda assim, ela relata que não passou por dificuldades. “Minha formação é em engenharia de energia, a engenharia por si só de fato é um curso em que a maior parte dos alunos são homens. Porém, na minha turma a quantidade de mulheres era em torno de 20% do total de alunos, o que é significativo para esse curso. Mesmo estando em uma turma cuja maior participação é masculina, nunca senti nenhuma dificuldade por ser mulher na graduação”, conta.

Também formada em engenharia, Natália conta que no início da faculdade eram 150 alunos e apenas 3 mulheres. Para ela, a formação foi um período desafiador por ouvir de amigos e familiares que essa não era uma profissão para mulheres. Em sua turma, apenas 2% dos formandos eram mulheres.

Bárbara Rubim, Sheyla Santiago, Natalia Maestá e Vanessa Martins na época da faculdade.

Já na turma de Sheyla, também engenheira, foram 20% de mulheres em sua turma, o que ela reconhece ser acima da média. “Mas em sala de aula, sempre tive o respeito dos colegas e dos professores. Não havia uma conduta diferente por sermos mulheres”, afirma.

Clarissa, formada em arquitetura, destaca que sua turma era formada por 87% de mulheres, e encara a raridade da sua formação no setor solar como uma oportunidade. “O fato de eu ser uma das poucas vozes falando sobre este assunto dentro do setor solar contribui para que eu não sinta tanto esta barreira do gênero. Portanto, a minha maior dificuldade na profissão é também a minha maior oportunidade: disseminar as possibilidades que arquitetos têm em seus projetos e demonstrar para os colegas da engenharia que a energia solar pode ser eficiente e bela quando bem planejada desde o início”.

Iluminando o caminho: como incentivar mais mulheres a ingressar no setor

A pesquisa realizada pela Mesol, que entrevistou 251 mulheres trabalhadoras do setor fotovoltaico no Brasil, identificou que a maior parte delas encontrou barreiras e desafios para se inserir (92,8%) e permanecer (94%) nesse mercado. As maiores barreiras citadas por elas são o machismo estrutural e os seus desdobramentos, como falta de credibilidade na qualidade do trabalho desenvolvido por elas, principalmente em áreas técnicas. 

O estudo conclui que é necessária mais capacitação para mulheres, especialmente realizada por outras mulheres; assim como a participação de mais homens nas discussões sobre igualdade de gênero.

A pv magazine também pediu as opiniões das profissionais sobre o que deve ser feito para estimular que mais mulheres ingressem no setor de energia solar.

Para Natália, é crucial que as empresas criem programas de educação e conscientização. O acesso às oportunidades pode incluir programas de bolsas de estudos e currículos inclusivos.

De acordo com Bárbara, não existe nada melhor do que o exemplo. “Uma frase que eu gosto muito é: palavras comovem, mas o exemplo arrasta”, diz. Ela reforçou também que é preciso dar mais voz às mulheres que já estão no setor elétrico, pois isso mostra que existe espaço para as estudantes.

Clarissa citou ações como promover mais encontros de mulheres em eventos do setor, e uma maior representatividade feminina como palestrantes. “Quem está começando precisa ver que outras mulheres já trilharam esse caminho e hoje compartilham suas experiências”.

Violência de gênero e desigualdade racial

Os dados levantados pela pesquisa da Rede MESol indicam que a violência de gênero e a desigualdade racial são questões fortes e generalizadas no Brasil, representando grandes barreiras para mulheres e pessoas negras também no setor solar.  Das profissionais do setor que responderam ao questionário, 57% já sofreram algum tipo de violência, com destaque para a violência psicológica (47,4%). Ainda, 71,7% já foram discriminadas em seu ambiente profissional, especialmente por questões de gênero. Além disso, apesar de a população brasileira ser composta em 56,2% por pessoas negras, apenas 29,5% das mulheres do setor que responderam ao questionário são negras (pretas ou pardas). O resultado, no entanto, pode ser indicativo tanto da desigualdade racial no setor quanto de lacunas na pesquisa, alertam os autores.

Conselhos para aquelas que virão

Para inspirar ainda mais as mulheres interessadas no setor, a pv magazine que as entrevistadas deixassem recados para aquelas que serão o futuro da energia solar:

“Você é capaz de realizar tudo! Mantenha seu foco no fato de que existem pessoas precisando dos nossos trabalhos. Imagine você, mulher, instalar um sistema solar fotovoltaico off grid em uma escola localizada em um local remoto. Olha a importância disso! Você será responsável por fornecer energia para as próximas gerações, para um futuro melhor. Não deixe o medo ou as vozes da dúvida silenciarem o seu chamado. Nós mulheres somos a linha de frente da inovação, lutando por um amanhã mais brilhante e justo para todos”, diz Maestá.

Bárbara Rubim reflete que “toda a escada parece grande demais quando a gente está na base, mas á medida em que a gente vai subindo, degrau por degrau, vai percebendo que o topo vai se aproximando. Então, começar é sempre o primeiro ponto. E não deixem palavras difíceis desestimularem vocês no sonho que vocês têm”.

Estude, estude e estude. Seja uma ótima engenheira teórica, mas não se afaste da prática, vá atrás de serviços que te ensinem como de fato as coisas acontecem. Saber a teoria é lindo, isso irá te ajudar muito, mas o que vai te ajudar mesmo, o que vai fazer você ser uma verdadeira solucionadora de problemas (e é por isso que pessoas pagam outras pessoas) é o que vai te fazer crescer. Seja útil e não confunda ser útil com ser esforçada, ninguém é reconhecido por ser esforçado se sim por saber entregar o que realmente é necessário”, diz Vanessa Martins.

Clarissa Zomer explica que “o mercado solar é amplo, está em franco crescimento e necessita de pessoas engajadas em buscar soluções que atendam os objetivos dos clientes. Eu acho que as mulheres são excelentes para visualizar as situações de uma forma macro e enxergar todas as possibilidades para então traçar as estratégias mais viáveis. Acho que o traço feminino enriquece qualquer projeto e acredito que as melhores equipes são mistas, valorizando a bagagem e o olhar de cada integrante”.

“Enalteçam outras mulheres, não entrem em competições bobas, porque se tem algo que atrasa no progresso de um mercado com cada vez mais mulheres, inteligentes, donas dos seus negócios, no alto escalão de uma empresa, é essa competição boba que se criou entre nós mesmas. Por isso, ajudem uma às outras, protejam umas às outras, se encorajem. Juntas, com certeza somos mais fortes, aconselha Sheyla Santiago.

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