A solução para o represamento de projetos de geração distribuída por inversão de fluxo de potência deve passar pela regulação da participação de energia solar no programa Minha Casa Minha Vida, que entrará em Consulta Pública promovida pela Aneel. O processo de consulta pública poderá incluir, além do tema principal, uma mudança no artigo 73 da resolução 1.000 da Aneel, que abriu a possibilidade de as distribuidoras sugerirem alterações nos projetos e no orçamento de conexão em casos de inversão de fluxo de potência.
“O artigo 73 surgiu com o objetivo de criar um procedimento a ser seguido pelas distribuidoras quando elas identificam inversão de fluxo, porque se não existe um procedimento, a gente está abrindo a porta pra distribuidora fazer, por exemplo, que a Cemig estava fazendo, de suspender todas as análises. O grande problema é que quando a Aneel foi ousadamente redigir esse artigo, não houve nenhum estabelecimento de nenhum tipo de critério sobre o patamar dessa inversão de fluxo”, recapitulou a vice-presidente do Conselho de Administração da Absolar, Barbara Rubim, em workshop promovido pela associação nesta semana.
“O artigo não estabelece nenhum tipo de correlação entre a inversão que vai ser identificada e a qualidade de atendimento que tem que ser observado pela distribuidora. Além disso, não observa nenhum tratamento diferenciado que tem que ser seguido pela distribuidora quando essa inversão de fluxo é pré-existente”, completou.
Barbara Rubim acrescentou que a situação vem afetando muitos projetos de minigeração e “praticamente todos os projetos de microgeração”. A situação levou a Aneel a se manifestar determinando que as distribuidoras não poderiam anular orçamentos de conexão já emitidos.
Sem critérios claros e uma classificação mais granular dos casos de inversão de fluxo de potência, projetos com diferentes características têm o mesmo tratamento, sem uma avaliação detalhada de possíveis soluções.
“Vou trazer um exemplo bem esdrúxulo, que a gente está lidando na consultoria, de um cliente nosso, na Enel São Paulo. É o tipo de situação que se criou, em que a gente protocolou o pedido de orçamento de conexão para esse cliente em novembro do ano passado, e o orçamento de conexão saiu na semana passada, quase um ano depois”, comenta Barbara. A executiva cita também caso de uma das áreas de concessão da Energisa, em que 4.000 orçamentos de conexão foram cancelados de uma vez.
O entendimento é que, até que a agência defina critérios mais claros sobre os casos em que a inversão de fluxo de potência poderá levar a distribuidora a postergar ou recusar a solicitação de conexão, a alternativa para as empresas será a via judicial. A Consulta Pública sobre a participação da energia solar no programa Minha Casa Minha Vida ainda não foi aberta e deve demandar no mínimo um mês de debates, o que já posterga a solução estrutural, via alteração do artigo 73, para 2024.
Em geral, a recomendação é questionar as negativas das distribuidoras. Além disso, para os casos em que de fato há inversão de fluxo de potência, é possível que armazenamento ou mesmo projetos zero grid sejam uma solução viável.
O que diz o artigo 73 da resolução 1.000/2001
O artigo 73 da resolução 1.000/2021 da Aneel foi modificado pela resolução 1.059/2023, publicada em fevereiro deste ano para regulamentar a Lei 14.300, o marco legal da geração distribuída. Ele determina que:
“Art. 73. A distribuidora deve, se necessário, realizar estudos para:
I – avaliação do grau de perturbação das instalações do consumidor e demais usuários em seu sistema de distribuição;
II – avaliação dos impactos sistêmicos da conexão;
III – adequação do sistema de proteção e integração das instalações do consumidor e demais usuários; e
IV – coordenação da proteção em sua rede de distribuição e para revisão dos ajustes associados, incluindo o ajuste dos parâmetros dos sistemas de controle de tensão, de frequência e dos sinais estabilizadores.
§ 1º Caso a conexão nova ou o aumento de potência injetada de microgeração ou minigeração distribuída implique inversão do fluxo de potência no posto de transformação da distribuidora ou no disjuntor do alimentador, a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis que eliminem tal inversão, a exemplo de: (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
I – reconfiguração dos circuitos e remanejamento da carga; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
II – definição de outro circuito elétrico para conexão da geração distribuída; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
III – conexão em nível de tensão superior ao disposto no inciso I do caput do art. 23; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
IV – redução da potência injetável de forma permanente; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
V – redução da potência injetável em dias e horários pré-estabelecidos ou de forma dinâmica; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
§ 2º O estudo da distribuidora de que trata o § 1º deve compor o orçamento de conexão e conter, no mínimo: (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
I – análise e demonstração da inversão do fluxo com a conexão da microgeração ou minigeração distribuída, incluindo a máxima capacidade de conexão e escoamento sem inversão de fluxo; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
II – análise das alternativas dispostas no § 1º e outras avaliadas pela distribuidora, identificando as consideradas viáveis e a de mínimo custo global; e (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
III – responsabilidades da distribuidora e do consumidor em cada alternativa. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
§ 3º A seleção das alternativas dos incisos I a III do § 1º deve ser realizada, caso necessário, em conjunto com as alternativas IV ou V. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
§ 4º Para execução das obras de responsabilidade da distribuidora, incluindo as dispostas nos incisos I a III do § 1º, devem ser observadas as regras de custos de conexão estabelecidas nos arts. 98 e seguintes desta Resolução. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)
§ 5º Os custos para implementação das alternativas IV ou V do § 1º são de responsabilidade do consumidor. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)”
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