Erros de entendimento das regras de demanda de geração para a MMGD

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A Lei nº 14.300/22 e sua posterior regulamentação pela REN nº 1.059/23, que alterou a REN nº 1.000/21 da ANEEL, trouxeram algumas mudanças no formato de remuneração da rede de consumidores grupo A que injetam energia e que usufruem do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). Esses consumidores devem ser faturados pela distribuidora de acordo com a forma que usam a rede de energia, se para injetar ou consumir:

Art. 18. Fica assegurado o livre acesso ao sistema de distribuição para as unidades com microgeração ou minigeração distribuída, mediante o ressarcimento, pelas unidades consumidoras com minigeração distribuída, do custo de transporte envolvido.
Parágrafo único. No estabelecimento do custo de transporte, deve-se aplicar a tarifa correspondente à forma de uso do sistema de distribuição realizada pela unidade com microgeração ou minigeração distribuída, se para injetar ou consumir energia.

Primeiro ponto a se destacar aqui é que esse artigo é válido para todas as unidades consumidoras do grupo A participantes do SCEE, aquelas conectadas antes ou após a Lei nº 14.300/22.

Originou-se assim a aplicação da “TUSDg” para o setor de Micro e Minigeração Distribuída (MMGD). Já adianto que a TUSDg é a tarifa de demanda de geração que é dada em R$/kW e que possui um valor inferior ao da tarifa de demanda de carga, que podemos chamar de “TUSDc”. Antes da referida lei, os consumidores do SCEE pagavam apenas pela TUSDc, elas contratavam apenas demanda de carga, cujo valor deveria ser compatível com a potência da usina. Essas tarifas de demanda serão utilizadas nos cálculos de faturamento da parcela de demanda das unidades do grupo A.

Mesmo com a publicação da lei em janeiro de 2022, foi apenas após a publicação da REN nº 1.059/23 em fevereiro de 2023, que as distribuidoras passaram a aplicar o que foi definido em lei. Mas o que é essa demanda de geração? Quais são as regras aqui envolvidas?

Compreenda que todas as unidades do grupo A precisam assinar o Contrato do Uso do Sistema de Distribuição (CUSD):

Art. 127. A distribuidora deve celebrar com o consumidor responsável por unidade consumidora do grupo A e demais usuários, com exceção das unidades consumidoras do Grupo B, os seguintes contratos:
 I – Contrato de Uso do Sistema de Distribuição – CUSD; e
 II – Contrato de Compra de Energia Regulada – CCER, caso aplicável.
(…)
2º Para central geradora que faça uso do mesmo ponto de conexão para consumir e injetar energia, deve ser celebrado um CUSD único na modalidade de caráter permanente,

Antes, era possível contratar apenas a demanda de carga e a lei tornou possível a contratação da demanda de geração para as unidades com MMGD.

Elencarei aqui alguns pontos importantes para entender as regras gerais aqui envolvidas.

Primeiro: só contrata a demanda de geração (ou demanda de injeção, nomenclatura utilizada na REN nº 1.000/21) a Unidade Consumidora (UC) que usa a rede para injetar energia. Uma UC beneficiária, por exemplo, não contrataria. Essa contratação de demanda de injeção deve ocorrer para as unidades com direito adquirido (GD I) após o processo de revisão tarifária da distribuidora de energia à que essa UC está conectada, mas para as “novas unidades”, aquelas definidas como GD II ou GD III a contratação já deve ser feita no momento da solicitação do orçamento de conexão. Veja o que estabelece a REN nº 1000/21:

Art. 671-B. A unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída faturada no grupo A que celebrou CUSD antes da vigência deste artigo deve se adequar ao disposto no inciso III do art. 655-J no prazo de até 60 dias contados:
I – da entrada em vigor deste artigo, para distribuidoras que tiveram revisão tarifária entre 7 de janeiro de 2022 e a data da entrada em vigor deste artigo; ou
II – da primeira revisão tarifária subsequente a entrada em vigor deste artigo, para as demais distribuidoras

O art. 655-J supracitado estabelece as regras de faturamento para os consumidores do grupo A participantes do SCEE. Perceba também que a ANEEL estabeleceu o prazo de 60 dias a partir da publicação da REN nº 1.059/23 que ocorreu em 07/02/23 para que “os consumidores GD I” atualizassem seus contratos com a distribuidora.

Entenda que esse é um ponto de atenção, já que a não contratação da demanda de injeção poderia acarretar multa por ultrapassagem de demanda, já que caracterizaria um valor nulo (0 kW) de demanda contratada.

Esse é então nosso segundo ponto importante. Da mesma forma que o contrato de demanda de carga está sujeito ao pagamento de multa por ultrapassagem de demanda de carga, o contrato de demanda de injeção também está sujeito ao pagamento dessa multa, sendo que a tolerância para geração é de 1% e para carga 5%:

Art. 301. A distribuidora deve adicionar ao faturamento regular a cobrança pela ultrapassagem se a demanda medida exceder os seguintes valores em relação à contratada:
I – 1%: para exportador ou importador e para demanda contratada de injeção de consumidor e de gerador;
II – 5%: para consumidor; e
II – 5%: para demanda contratada de consumo de consumidor e de gerador; e

Algumas distribuidoras têm aplicado a multa por ultrapassagem de injeção por conta da não contratação dessa demanda, o que está embasado na regulação vigente. Porém, outras estão aplicando essa multa de forma incorreta, por isso se faz necessário entender qual é o procedimento correto a ser seguido aqui. Cada distribuidora pode apresentar os itens faturados de acordo com o seu sistema de faturamento, de acordo com a forma que imprime essas faturas, porém, a regra geral é a mesma para todas as distribuidoras.

O primeiro erro na cobrança que tenho verificado em faturas de energia ocorre no cálculo da multa por ultrapassagem da demanda de injeção. O racional, a lógica de cálculo, podemos obter na própria REN nº 1.000/21:

Multa por ultrapassagem de demanda de injeção (R$) =
[Demanda injetada (kW) – Demanda contratada (kW)] x 2 x TUSDg

 

Veja aqui um exemplo prático de uma fatura grupo A em que o faturamento da ultrapassagem da demanda de geração está CORRETO:

Figura 01. Itens faturados. (Toque na imagem para ampliá-la ou abra-a em uma nova guia).

A demanda injetada (TUSDg) da UC foi de 96,41 kW (Figura 2). Ou seja, ultrapassou a tolerância de 65,65 kW de demanda contratada e, por conta disso, ficou sujeita ao pagamento da multa por ultrapassagem de demanda.

Figura 02. Itens medidos. (Toque na imagem para ampliá-la ou abra-a em uma nova guia).

Logo, haveria aplicação da multa por ultrapassagem de demanda no valor de 96,41 kW – 65 kW = 31,41 kW (Figura 1). Ou seja, a cobrança apontada acima está correta.

A seguir será apresentado um segundo caso, em que a cobrança está incorreta. Entenda:

Figura 03. Itens medidos. (Toque na imagem para ampliá-la ou abra-a em uma nova guia).

A demanda injetada foi de 60,81 kW (Figura3) e a demanda contratada de injeção é de 50 kW (tolerância 50,5 kW). Porém, a distribuidora aplicou a multa por ultrapassagem de demanda em 50,064 kW (Figura 04), e não apenas em 10,81 kW. Ou seja, haveria aqui pagamento a maior dessa fatura de energia.

Figura 04. Itens faturados. (Toque na imagem para ampliá-la ou abra-a em uma nova guia).

Outro ponto importante é com relação ao contrato de demanda de carga para os casos em que a UC foi criada apenas para injetar energia. Perceba que, nesses casos, a demanda requerida pela carga será nula ou será proveniente de cargas de infraestrutura dessa usina. A ANEEL já deixou claro que nesses casos é possível contratar um valor nulo de demanda de injeção:

Art. 655-J. No faturamento no grupo A de unidades consumidoras participantes do SCEE, aplicam-se as regras:
(…)
1º Na indicação da demanda contratada de consumo da unidade consumidora:
I – pode ser indicado valor nulo, caso se utilize a rede apenas para injetar energia ou atendimento do sistema auxiliar e infraestrutura local; (…)

Há distribuidora de energia que entende que requerer demanda de carga sem que haja contratação é um procedimento irregular. Porém, está explicito no Art. 655-J que isto é possível, desde que a demanda de carga seja para carga de infraestrutura local. Logo, não há o que se falar em penalidades. A única penalidade aplicável aqui seria a de multa por ultrapassagem de demanda de carga, caso a UC venha requerer demanda de carga da rede.

Todavia, é importante que se avalie o que é mais benéfico para o consumidor: contratar o valor mínimo de demanda para a carga (30 kW) ou pagar mensalmente a multa por ultrapassagem de demanda de carga? Aqui é importante que se entenda que usar a rede sem contrato implica em penalidades (Art. 144 da REN nº 1.000/21), portanto, caso haja carga que não seja de infraestrutura local, contrate o valor mínimo.

Veja abaixo um exemplo de uma UC que tem 100 kW de potência de usina solar fotovoltaica. No local, há apenas lâmpadas e câmeras de monitoramento e segurança e foi registrada uma demanda de carga de 0,04 kW. Por conta disso, a UC pagou por esse valor de demanda acrescido de multa por ultrapassagem:

Figura 05. Itens faturados. (Toque na imagem para ampliá-la ou abra-a em uma nova guia).

Fica evidente no caso acima que é mais benéfico para essa UC não contratar demanda de carga, já que teria que pagar 30 kW x TUSDc.

E, para finalizar, entenda que caso a UC tenha o direito ao benefício da contratação da demanda de geração e a distribuidora ainda não esteja se adequada para efetuar essa cobrança, o consumidor deve indicar para a distribuidora o valor que deseja contratar. Isso porque, posteriormente, a distribuidora deverá ressarcir todo o valor cobrado a maior por conta da falta na adequação:

Art. 671-C. A distribuidora que teve revisão tarifária entre 7 de janeiro de 2022 e a data de vigência do § 7º do art. 655-O deve efetuar compensações nos faturamentos das unidades consumidoras abrangidas pelo referido dispositivo, considerando as regras dispostas no art. 655-J, para as unidades que fizeram indicação dos valores de demanda contratada de injeção após a revisão tarifária.

Veja o caso abaixo em que a UC foi criada apenas injetar energia. A usina remota possui potência de 880 kW, que foi o valor da demanda contratada. Porém, a UC que está enquadrada como GD I e ainda tem demanda contratada de carga, mesmo estando em área de concessão de uma distribuidora que já passou por revisão tarifária. Logo, poderia estar pagando a “TUSDg” ao invés da “TUSDc”. Mensalmente há um pagamento a maior de R$ 16.000,00 por conta da não contratação da demanda de geração. O que deve ser feito aqui? Deve-se formalizar a intenção da contratação, posteriormente isso poderá ser utilizado em um processo de reclamação administrativa caso a distribuidora ainda não esteja apta a fazer as adequações na forma de faturamento.

Figura 06. Itens faturados. (Toque na imagem para ampliá-la ou abra-a em uma nova guia).

Concluo que muitas distribuidoras, assim como muitos profissionais do setor, ainda não dominam as regras que tratam sobre a demanda de geração, ou melhor, a regulamentação geral que aborda consumidores grupo A participantes do SCEE.

O que considero de grande valia é ter o conhecimento prévio, o que antecede a MMGD, esse que eu costumo chamar de base de conhecimento regulatória para o grupo A. Se não há domínio das regras para o grupo A, entender as regras para o grupo A de UC participante do SCEE é uma missão ainda mais difícil. Por isso no meu treinamento, a OFICINA GRUPO A eu trato primeiramente das regras gerais para o grupo A e então entramos no “mundo” do grupo A na MMGD.

Repare que todos esses erros de entendimento que podem se traduzir em erros de fatura ou até mesmo condutas abusivas de algumas distribuidoras podem ser revertidas quando se tem o domínio da regulação. Caso você atue ou deseja atuar atendendo consumidores grupo A, faça parte da terceira turma da Oficina Grupo A, saiba mais no link abaixo.

Vanessa Martins atua no setor de solar desde 2017 com homologações de projetos de MMGD. As mais de 1.600 homologações e seu imenso interesse pelas regras do setor, tornaram-na uma das grandes especialistas em regulação GD no país. Antes de atuar nesse setor, já prestava consultoria focada em gestão de faturas grupo A e Eficiência Energética, por conta disso, possui vasta experiência em faturas grupo A de unidades com e sem MMGD. Hoje é proprietária da empresa VM Projetos e Consultoria cujo foco é prestar consultorias e treinamentos voltados para a regulação em MMGD.

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