O hidrogênio verde vem se consolidando como um dos vetores energéticos mais promissores para a descarbonização da economia global. Produzido a partir de fontes renováveis, como a energia solar fotovoltaica (FV), ele se apresenta como uma solução para armazenar energia de maneira eficiente e sustentável. O processo de produção do hidrogênio, ilustrado na Figura 1, começa com a utilização de fontes primárias, como hidrelétricas, energia solar, eólica ou biomassa, que geram energia elétrica ou calor para alimentar diferentes tecnologias, como eletrolisadores ou separação termoquímica.
A versatilidade do hidrogênio o torna indispensável para atender diversas aplicações, desde o transporte e geração de eletricidade até a cogeração de energia estacionária. Além disso, o uso de sistemas de suporte, como armazenamento, transporte e dispositivos de segurança, complementam a cadeia de valor dessa tecnologia, garantindo eficiência e confiabilidade.
A representação esquemática (Figura 1) ilustra as principais rotas tecnológicas para obtenção de hidrogênio, destacando tanto suas fontes primárias quanto os processos de conversão e usos finais. Essa visão integrada enfatiza a relevância do hidrogênio verde como parte da transição energética e reforça o papel das energias renováveis, como a solar FV, nesse contexto.
A Sinergia entre Hidrogênio Verde e Energia Solar Fotovoltaica
A intermitência da energia solar FV é compensada pela capacidade do hidrogênio verde de armazenar energia excedente em forma química. A eletricidade gerada por painéis solares alimenta eletrolisadores, que dividem a água em hidrogênio e oxigênio, criando um combustível limpo e versátil. Esse processo, ilustrado na Figura 2, demonstra a eficiência do uso da energia solar para impulsionar a produção sustentável de hidrogênio.
Exemplos Globais de Sucesso
A expansão de projetos de hidrogênio verde é um fenômeno global, com iniciativas em vários estágios de desenvolvimento. A Figura 3 apresenta a distribuição geográfica e a capacidade instalada de projetos relacionados ao hidrogênio até 2030, ilustrando o avanço dessa tecnologia em regiões como Europa, Oriente Médio e América Latina. Esses projetos refletem o crescimento da infraestrutura necessária para atender às metas de descarbonização global.
A seguir, são destacadas algumas iniciativas de grande impacto em regiões estratégicas:
Europa
HyDeal Ambition (Espanha, França, Alemanha): Este projeto visa criar uma cadeia integrada de produção e transporte de hidrogênio verde, fornecendo hidrogênio a preços competitivos por meio de energia solar em larga escala na Península Ibérica. Ele terá impacto direto na descarbonização de indústrias e transporte na Europa Central.
H2 Green Steel (Suécia): Uma das maiores iniciativas para integrar hidrogênio verde à produção de aço, substituindo combustíveis fósseis por hidrogênio para reduzir emissões de CO₂.
Oriente Médio
NEOM Green Hydrogen Project (Arábia Saudita): Um dos maiores projetos de hidrogênio verde do mundo, combinando energia solar e eólica para produzir hidrogênio a partir de água dessalinizada. A iniciativa está estrategicamente posicionada para atender ao mercado global de transporte marítimo e terrestre.
Masdar City (Emirados Árabes Unidos): Além de um centro de energia solar, Masdar está investindo fortemente em hidrogênio verde como parte de sua estratégia para descarbonizar setores como aviação e transporte terrestre.
América Latina
HyEx (Chile): Este projeto no Deserto do Atacama utiliza a radiação solar de uma das regiões mais ensolaradas do mundo para produzir hidrogênio verde, destinado à exportação e ao uso interno, incluindo indústrias de mineração e transporte pesado.
H2V Brasil (Ceará, Brasil): Localizado no Porto do Pecém, o projeto integra energia renovável e produção de hidrogênio verde, posicionando o Brasil como exportador estratégico desse combustível.
Oceania
Asian Renewable Energy Hub (Austrália): Combinando energia solar e eólica, o projeto visa produzir hidrogênio verde em larga escala para exportação, principalmente para mercados asiáticos, como Japão e Coreia do Sul.
Gladstone Hydrogen Ecosystem (Austrália): Este ecossistema integrado conecta produção, armazenamento e exportação de hidrogênio verde, fomentando o desenvolvimento regional e a criação de empregos.
América do Norte
Hydrogen Hub (Califórnia, EUA): Este hub está focado na integração de hidrogênio verde em redes de transporte, incluindo frotas de caminhões movidos a célula de combustível e infraestrutura de abastecimento.
Projeto Edmonton (Canadá): Um dos primeiros hubs de hidrogênio na América do Norte, integrando captura de carbono e hidrogênio verde para descarbonizar indústrias locais.
Desafios e Soluções
Custo: A tecnologia ainda apresenta custos elevados, mas investimentos em larga escala, como os de NEOM e do Porto de Roterdã, têm demonstrado viabilidade econômica.
Eficiência: Processos de eletrolise ainda têm perdas energéticas significativas. Pesquisa e inovação tecnológica são cruciais para otimizar a produção.
Logística: Armazenar e transportar hidrogênio em larga escala requer desenvolvimento de infraestrutura e regulamentação global.
O custo de produção do hidrogênio verde é um dos principais desafios para sua implementação em larga escala. Este custo depende de variáveis como o preço da eletricidade renovável e o custo médio ponderado de capital (WACC). A Figura 4 mostra como essas variáveis influenciam os custos de produção de hidrogênio, considerando diferentes tecnologias renováveis, como energia solar fotovoltaica, eólica offshore e onshore, no cenário de emissões líquidas zero até 2030.
Perspectiva Brasileira
O Brasil, com seu vasto potencial solar, encontra na energia fotovoltaica uma aliada estratégica para a produção de hidrogênio verde. Regiões como o Nordeste e o Centro-Oeste se destacam por sua alta incidência de radiação solar durante o ano inteiro, o que garante uma geração elétrica contínua e competitiva. A integração de grandes usinas fotovoltaicas com plantas de hidrogênio verde posiciona o Brasil como líder global na produção deste combustível limpo.
Além de abastecer mercados internos, esses projetos são projetados para atender à demanda global por hidrogênio verde, especialmente em países da União Europeia, que têm metas rigorosas de descarbonização.
A energia solar fotovoltaica também desempenha um papel crucial na descentralização da produção de hidrogênio no Brasil. Pequenas e médias plantas solares instaladas em regiões agrícolas podem atender à produção local de hidrogênio para o uso no setor agroindustrial, como na fabricação de fertilizantes verdes. Além disso, projetos que combinam geração distribuída solar com a produção de hidrogênio têm o potencial de democratizar o acesso a essa tecnologia, permitindo que comunidades rurais e urbanas participem ativamente da transição energética. Essa abordagem fortalece não apenas a matriz energética do país, mas também gera empregos locais e fomenta o desenvolvimento sustentável em regiões menos industrializadas.
Conclusão
A sinergia entre hidrogênio verde e energia solar fotovoltaica (FV) oferece um caminho promissor para a transição energética sustentável. Ao aproveitar recursos renováveis, essa combinação não só reduz emissões de carbono, mas também cria oportunidades de inovação tecnológica e geração de empregos em diferentes setores. Exemplos globais demonstram que, apesar dos desafios técnicos e econômicos, é possível integrar essas tecnologias de forma eficiente, contribuindo para a descarbonização de economias em escala mundial.
No contexto brasileiro, o potencial solar abundante posiciona o país como um líder em energia limpa e hidrogênio verde. Regiões estratégicas, como o Nordeste, permitem a integração de grandes plantas fotovoltaicas com a produção de hidrogênio para atender tanto ao mercado interno quanto à exportação. Com investimentos contínuos, políticas públicas adequadas e parcerias internacionais, o Brasil tem a oportunidade de consolidar sua posição como protagonista global na revolução energética, pavimentando o caminho para um futuro sustentável.
Referências
CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Hidrogênio energético no Brasil: subsídios para políticas de competitividade, 2010-2025, tecnologias críticas e sensíveis em setores prioritários. Brasília: CGEE, 2010.
EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Bases para a consolidação da estratégia brasileira do hidrogênio. Brasília: Ministério de Minas e Energia, 2021.
IEA – International Energy Agency. Hydrogen production projects interactive map: project-level data on low-emissions hydrogen production worldwide. Complemento ao Global Hydrogen Review 2023a. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics/data-tools/hydrogen-production-projects-interactive-map. Acesso em: 10/12/2025.
IEA – International Energy Agency. Global Hydrogen Review 2023b. Paris: IEA, 2023. Disponível em: https://www.iea.org/reports/global-hydrogen-review-2023. Acesso em: 10/12/2025.
XU, Di; DONG, Lichun; REN, Jingzheng. Chapter 2 – Introduction of Hydrogen Routines. In:
SCIPIONI, Antonio; MANZARDO, Alessandro; REN, Jingzheng (Eds.). Hydrogen Economy. Academic Press, 2017. p. 35-54. ISBN 9780128111321. Disponível em: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-811132-1.00002-X. Acesso em: 10/12/2025.
Sobre o autor:
Fernando de Lima Caneppele é Professor Associado na Universidade de São Paulo (USP) e atua com foco em Energia, Transição Energética e Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS7).
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