A revolução dos Veículos Elétricos: segunda vida de baterias e o impacto econômico e ambiental na economia circular

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Nos últimos anos, os veículos elétricos (VEs) têm ganhado cada vez mais espaço nas estradas ao redor do mundo. Movidos pela preocupação com o meio ambiente e a busca por alternativas aos combustíveis fósseis, esses carros oferecem uma promissora solução para reduzir as emissões de poluentes e combater as mudanças climáticas.

O Brasil, seguindo essa tendência global, testemunhou um crescimento expressivo nas vendas de VEs nos últimos anos. Em 2023, o país fechou o ano com uma frota de mais de 220 mil carros elétricos, e apenas no primeiro trimestre de 2024 foram vendidos mais de 36 mil veículos, de acordo com dados fornecidos pela Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE). O número é expressivo e reflete o aumento da demanda por esses veículos no mercado nacional.

No entanto, uma questão importante surge com o aumento da adoção de veículos elétricos: o destino das suas baterias quando atingem o fim de sua vida útil. Assim como baterias de celulares, as baterias dos carros elétricos, compostas principalmente por íons de lítio, geralmente apresentam uma redução em sua capacidade após 8 a 15 anos de operação, o que as torna menos adequadas para uso em veículos elétricos.

No entanto, mesmo após atingirem cerca de 60% de sua capacidade original, essas baterias ainda podem ser aproveitadas em outras aplicações, como sistemas de armazenamento de energia estacionária. Essa prática, conhecida como segunda-vida das baterias, visa prolongar sua utilidade e evitar o descarte prematuro, contribuindo para uma abordagem mais sustentável em relação aos recursos energéticos. Essas baterias podem então ser reaproveitadas em aplicações estacionárias, como sistemas de armazenamento de energia em residências, empresas e redes elétricas.

O reaproveitamento dessas baterias não apenas oferece benefícios ambientais, ao reduzir a necessidade de novas baterias e minimizar o impacto da produção, mas também apresenta vantagens econômicas. A utilização de baterias de segunda vida pode ajudar a reduzir os custos dos sistemas de armazenamento de energia e promover a penetração de fontes de energia renovável, como a energia solar fotovoltaica e pode ainda, potencialmente reduzir o custo inicial de novos VEs e aumentando sua penetração no mercado.

Para que o mercado de baterias de segunda vida alcance seu pleno potencial, é essencial o desenvolvimento de modelos de negócios sólidos, a transparência de dados e o apoio de políticas governamentais favoráveis.

Outro aspecto relevante é a questão da regulamentação e dos incentivos fiscais. Em muitos países, incluindo o Brasil, políticas governamentais que incentivam a adoção de veículos elétricos desempenham um papel fundamental no impulso ao mercado. Subsídios, descontos fiscais e outras medidas podem fazer com que os consumidores optem por veículos elétricos, o que, por sua vez, aumenta a demanda por baterias e estimula o desenvolvimento de tecnologias de segunda vida.

Além disso, o setor privado também desempenha um papel crucial no desenvolvimento do mercado de baterias de segunda vida. Empresas de energia, fabricantes de veículos elétricos e outras organizações têm investido em pesquisa e desenvolvimento para encontrar novas aplicações e tecnologias que aproveitem ao máximo o potencial das baterias de segunda vida.

Uma dessas aplicações pode ser aplicada para consumidores residenciais. Com a popularidade global da geração fotovoltaica os subsídios governamentais fornecidos para incentivar a utilização na rede desta fonte de energia, especialmente para usuários residenciais, estão sendo reduzidos na maioria dos países, incluindo no Brasil. Com as mudanças nas regras de geração distribuída, os prosumidores agora são cobrados pela transmissão de energia excedente alimentada na rede.

Armazenar parte deste excedente de energia com novas baterias pode atualmente ser financeiramente inviável, principalmente devido ao custo de aquisição da bateria. No entanto, usar baterias de segunda vida para evitar alimentar esta energia na rede e potencialmente incorrer em encargos, dependendo de seu custo, poderia ser economicamente viável, inclusive associado a outros tipos de armazenamento.

Um outro exemplo disso são os sistemas de armazenamento de energia em larga escala, que podem utilizar baterias de segunda vida para estabilizar a rede elétrica e armazenar energia gerada por fontes renováveis intermitentes, como a energia solar e eólica. Esses sistemas são essenciais para garantir a confiabilidade e a segurança do fornecimento de energia, além de contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

O laboratório Fotovoltaica/UFSC vêm desde 2018 testando as diversas aplicações possíveis dos sistemas de armazenamento de segunda-vida. As aplicações testadas incluem sistemas de pequeno porte como postes de luz que funcionam sem conexão à rede elétrica e geladeiras 100% alimentadas por energia solar, além de sistemas de escala maior. A exemplo disso, um container de 200 kWh (100 kWh de primeira vida + 100 kWh de segunda vida) funciona como um backup do prédio em casos de queda de energia, mas quando conectado à rede, também é utilizado para armazenar excesso de energia solar para utilizá-la durante a noite para alimentar a geração de hidrogênio verde que é realizada no laboratório, a partir de água da chuva e eletricidade solar ambas captadas nas coberturas e fachadas do próprio prédio que hospeda os eletrolisadores.

Uma outra aplicação testada é a utilização destas baterias como buffer para carregamento de carros elétricos. Desta maneira, as baterias são carregadas lentamente pela rede elétrica e podem de maneira rápida, carregar o VE com uma grande potência, sem exigir muito da rede naquele momento. Baterias de segunda-vida retiradas de um ônibus elétrico que rodou por cinco anos no laboratório também estão sendo caracterizadas e testadas para uma aplicação em um sistema de armazenamento de grande porte que irá permitir o suporte e a manutenção da rede elétrica de baixa e média tensão pela concessionária de energia.

No entanto, apesar do potencial, o mercado de baterias de segunda vida ainda está em estágio inicial de desenvolvimento, enfrentando obstáculos como a falta de modelos de negócios e políticas governamentais claras. Além disso, questões relacionadas à logística reversa e à reciclagem das baterias no final de sua segunda vida precisam ser abordadas de forma adequada.

A condição das baterias no momento do fim de sua primeira-vida, sua durabilidade em aplicações estacionárias e sua viabilidade comercial são algumas das questões que precisam ser consideradas e abordadas. Para isso, é necessário desenvolver métodos eficazes de monitoramento e gerenciamento das baterias para garantir sua segurança e desempenho ao longo do tempo. O laboratório Fotovoltaica/UFSC também está trabalhando nisso, analisando diferentes métodos para medir e selecionar baterias de segunda-vida, desenvolvendo testes que consigam atestar a segurança e durabilidade destas baterias.

É essencial que governos, empresas e outras partes interessadas trabalhem em conjunto para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento do mercado de baterias de segunda vida. Isso inclui o estabelecimento de padrões e regulamentações claras, o investimento em pesquisa e desenvolvimento, a criação de incentivos financeiros e fiscais e o desenvolvimento de parcerias estratégicas entre os setores público e privado.

Em última análise, o sucesso do mercado de baterias de segunda vida dependerá da colaboração e do comprometimento de todas as partes envolvidas. Com o apoio adequado, as baterias de segunda vida podem desempenhar um papel importante na transição para um futuro mais sustentável e resiliente, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa, o aumento da segurança energética e a criação de empregos e oportunidades econômicas.

Autores: Aline Kirsten Vidal de Oliveira & Ricardo Rüther, do Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina (Fotovoltaica/UFSC).

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