Simulação de Sistemas Zero-Grid ou com Limitação da Injeção

Share

A demanda por sistemas zero-grid ou com limitação da potência injetada está crescendo, impulsionada por regras específicas do mercado energético brasileiro, como Mercado Livre ou Inversão de Fluxo.  

Percebemos na prática que muitos desses sistemas são dimensionados com base em premissas simplistas como um fator de simultaneidade generalizado, tornando o investimento mal aproveitado e o resultado prometido ao cliente pouco confiável.

Figura 1: Fluxo de energia com limitação no ponto de injeção como resultado da simulação (fonte: PV*SOL).Apresentaremos a seguir como simular tais sistemas em software profissional com objetivo de entender os processos dinâmicos e otimizar o investimento com um resultado previsível. Usamos como exemplo o Software PV*SOL, consolidado mundialmente e líder no Brasil para planejamento de sistemas fotovoltaicos [Greener 09/2024]. 

Casos na Regulamentação Brasileira 

Vemos alguns exemplos de casos de aplicação: 

  • A abertura do mercado de energia permite a cada vez mais consumidores migrar para o Mercado Livre. Nesta modalidade, a distribuidora local é mera transportadora da energia e não recebe energia injetada; 
  • Restrições da rede permitem à distribuidora impor um limite da energia injetada ou até vetar a injeção por completo. Um caso frequente é a alegação da “inversão de fluxo”, introduzida pela resolução normativa REN Aneel 1000/2021; 
  • A mesma resolução desvinculou a potência instalada de uma usina fotovoltaica da potência injetada. Desta forma, permitiu que um consumidor grupo A instalasse uma usina com potência superior à demanda contratada, evitando assim obras na subestação e contratação da demanda adicional. 

Nos três casos estamos tratando de uma limitação da potência injetada na rede. Quando o limite for zero, usa-se o termo zero-grid ou grid zero. 

A Simulação Dinâmica 

A simulação de um sistema procura prever seu futuro funcionamento em condições que representam a realidade nas interações sistêmicas.  

A representação da realidade é composta pelos seguintes dados: 

  • Curva de carga do consumidor; 
  • Dados meteorológicos do local da instalação; 
  • Dados técnicos da usina (módulos, inversores e interligação deles); 
  • Condições da instalação (sombreamento, orientação, inclinação); 
  • Investimento e tarifas. 

O software, então, efetua o cálculo do sistema, começando na irradiação incidente em cada célula e aplicando as perdas sistêmicas para chegar à energia gerada. Esta é comparada com o consumo naquele instante para determinar a energia aproveitada acima da limitação imposta. Multiplicada pela tarifa, chegamos ao benefício financeiro do sistema. 

A simulação em intervalos de minutos é capaz de representar a passagem de nuvens com seu impacto significativo na irradiação e geração fotovoltaica. 

A figura 1 mostra o resultado energético anual de uma simulação. 

A Curva de Carga 

Figura 2: Curva de carga de um estabelecimento comercial ao longo de uma semana.

A figura 2 apresenta uma curva de carga real de um estabelecimento comercial, medida com um analisador de qualidade de energia durante uma semana em intervalos de 5 minutos e exportado como planilha. O software replica essas informações ao longo das semanas do ano, permitindo um ajuste entre os meses.  

Intervalos maiores, de um ou vários meses, aumentam a qualidade da simulação. Para casos em que a medição in loco não é viável, podem-se usar curvas típicas elaboradas pelas concessionárias e disponibilizadas no PV*SOL. 

Dados Meteorológicos 

Dados meteorológicos de qualidade são fornecidos no padrão TMY (typical meteorological year) e elaborados a partir de medições locais durante 20 anos. No Brasil, devido à falta de dados oficiais de referência, fica a cargo do projetista comparar diferentes fontes e aplicar, eventualmente, um fator de ajuste. 

Dados técnicos da usina 

Os algoritmos de simulação fotovoltaica ganharam uma sofisticação impressionante: cada célula com incidência de irradiação direta e indireta instantânea, cada módulo, cada string e cada inversor com seus MPPTs são calculados. Perdas por temperatura, condução elétrica ou limitação dos equipamentos são aplicadas e acumuladas para informação do projetista. 

O cálculo costuma ser efetuado em intervalos de horas nas fases iniciais, passando para intervalos de minutos na medida que o projeto evolui. 

Fica evidente que planilhas, plataformas ou programas operando com médias mensais não conseguem representar as oscilações que ocorrem a cada momento. 

Resultados para Diferentes Variantes 

Os resultados da simulação são apresentados em diferentes formatos para diferentes finalidades. 

Resultados gráficos 

Figura 3: Visualização de três dados por uma semana de simulação do sistema com potência de 200 kW mencionado abaixo (fonte: PV*SOL).

Resultados com foco técnico ajudam muito a compreender o funcionamento dinâmico do sistema. A figura 3 mostra o intervalo de uma semana após a simulação com o consumo das cargas (azul), a geração fotovoltaica (amarelo) e a limitação da energia por causa da condição zero-grid (vermelho).  

Vamos analisar alguns efeitos: 

  • Observamos a diferença entre dias com bastante irradiação (segunda a quarta-feira e domingo) e dias encobertos (quinta-feira a sábado).  
  • A limitação da potência ocorre nas horas com alta irradiação. Nos dias encobertos, praticamente não há perda por limitação. 
  • Podemos observar também o efeito clipping (ceifamento) no achatamento no topo da curva de geração, causado pelo oversizing (sobrecarregamento) do inversor em 150%.  
  • Fica evidente que o clipping ocorre nas mesmas horas da limitação de potência, fato que torna o oversizing muito interessante em projetos zero-grid por tornar a solução mais barata; 
  • Em todos os dias úteis sobra consumo à tarde que não é coberto pela geração. Seria interessante analisar o efeito de virar parte dos módulos para oeste, estendendo a geração até esse horário. 

Comparar Variantes 

Tabela 1: Comparação de três variantes com resultados da simulação no software PV*SOL.

Para encontrar a melhor solução é necessário simular variantes. No estudo apresentado usei a mesma curva de carga e calculei sistemas fotovoltaicos com dois a seis inversores SMA Core 1. Mantive o fator de dimensionamento em 150%, o máximo permitido pelo fabricante do inversor.  

A tabela 1 apresenta alguns indicadores que permitem comparar as variantes: 

  • Energia gerada sem limitação: esse montante seria aproveitado com injeção na rede ou armazenamento em baterias; 
  • Limitação: se refere à energia cortada devido à condição zero-grid; 
  • Perdas por limitação + clipping é o percentual dessas perdas em relação à energia gerada sem limitação; 
  • Fração solar é a parte do consumo coberto pela energia gerada  
  • A taxa interna de retorno (TIR) representa o retorno financeiro anual do investimento. 
Figura 4: Comparação gráfica, agora de cinco variantes.

A comparação gráfica das variantes (fig. 4) facilita a tomada de decisão que costuma levar em consideração diferentes aspectos:  

  • O investidor costuma colocar um limite inferior da TIR que o interessa alcançar; 
  • A curva da fração solar indica uma saturação: na medida que aumentamos a usina, aproveitamos cada vez menos a potência adicional. No entanto, é a fração solar que protege o consumidor contra aumentos repentinos da tarifa; 
  • A curva das perdas surpreende: mesmo na última variante, com 45% de perdas, a TIR continua numa faixa interessante. Com a queda dos preços do equipamento fotovoltaico, as perdas perderam importância e viraram um detalhe técnico de menor relevância (leia também a matéria de Lucas Rafael do Nascimento & Ricardo Rüther no PV Magazine 09/2024 sobre Curtailmente e Overbuilding). 

Neste exemplo, variamos apenas a potência dos inversores. Geralmente é interessante experimentar com variações em diferentes dimensões e evoluir para a melhor solução.  

Vale ressaltar que cada variante precisa ser simulada com os dados específicos que a caracterizam. 

Conclusão 

Compreendemos que o sistema fotovoltaico com limitação de potência em associação a um conjunto de cargas forma um sistema complexo e altamente dinâmico. Não existem fórmulas para calcular a melhor configuração para cada caso. Neste artigo, foi apresentado como modelar o sistema no software profissional PV*SOL em variantes e como comparar indicadores relevantes. Os gráficos ajudam a entender a dinâmica e estimulam nossa criatividade na busca por soluções diferenciadas. 

No tipo de sistema abordado é natural aceitar perdas em grandezas elevadas. Elas podem ser transformadas em lucro com uso de armazenamento, o que será tratado na próxima matéria desta série. 

O autor, Hans Rauschmayer, é sócio-gerente da empresa Solarize Treinamentos Profissionais Ltda e responsável pela grade de capacitação.  Reconhecido especialista em energia solar, ele já foi convidado para ministrar cursos e palestrar em universidades, instituições, congressos nacionais e internacionais e vários programas de TV. Entre em contato pelo site www.solarize.com.brhans@solarize.com.br; (21) 2148 0973 

Os pontos de vista e opiniões expressos neste artigo são dos próprios autores, e não refletem necessariamente os defendidos pela pv magazine.

Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reutilizado. Se você deseja cooperar conosco e gostaria de reutilizar parte de nosso conteúdo, por favor entre em contato com: editors@pv-magazine.com.

Conteúdo popular

Greener aponta oportunidades em novos serviços para além da instalação fotovoltaica
03 dezembro 2024 Até 30% de economia no ACL e 1,4 milhão de VEs previstos até 2030 são algumas das oportunidades listadas pela consultoria como chances para os integra...