PL 624 endurece aplicação da Lei 14.300 contra a alegação de inversão de fluxo pelas concessionárias

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O Projeto de Lei 624/2023 institui o Programa Renda Básica Energética (Rebe), que dispõe sobre o financiamento e a instalação de sistema de energia fotovoltaica para consumidores de baixa renda beneficiários da tarifa social. Se aprovado, pode também evitar algumas brechas regulatórias que vêm permitindo a aplicação distorcida da Lei 14.300/22, como a alegação de inversão de fluxo de potência por parte das concessionárias de energia, como a CPFL e a RGE, entre outras.

Entidades do setor como a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Aliança Solar, Movimento Solar Livre (MSL) e o Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel) são unânimes ao afirmar que o PL 624 é estratégico para resolver a questão da inversão de fluxo de forma estrutural, além de corrigir e esclarecer a forma como deve ser tratado o consumidor que quer conectar o seu sistema de geração distribuída na rede elétrica.

O CEO da Absolar, Rodrigo Sauaia, disse à pv magazine que a entidade tem recebido um volume cada vez maior de reclamações de consumidores e de empresas integradoras que vêm sofrendo com negativas unilaterais e, muitas vezes, não fundamentadas. Isso impede a conexão das redes sob a alegação de inversão de fluxo de potência. “Hoje existe uma situação muito desproporcional de forças e de poder de decisão entre o consumidor que quer instalar um sistema geração solar em sua unidade consumidora e as concessionárias de energia elétrica. O PL 624 é estratégico porque traz artigos específicos que corrigem essa relação ao propor a isenção completa dos sistemas de microgeração das análises de inversão de fluxo”, explica.

Distorções regulatórias e a contribuição do Rebe para o equilíbrio energético

O presidente do Movimento Solar Livre, Hewerton Martins, conta que o PL 624 surgiu como resposta às distorções regulatórias geradas por interpretações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que, em sua visão, foram além do espírito da Lei 14.300. “O PL 624 nasce a partir da coalizão da Aliança Solar junto com a Frente Parlamentar de Energia Limpa, no sentido de darmos os subsídios técnicos e jurídicos aos parlamentares para mostrar que alguns artigos da Lei 14.300 deixaram pequenas brechas que foram utilizadas pela Aneel para fazer uma regulação distorcida do propósito da legislação”, diz.

A ABGD entende que o programa pode contribuir substancialmente para a questão da inversão de fluxo de potência ao promover o equilíbrio entre geração e consumo em regiões com menos infraestrutura e capacidade de geração distribuída. O presidente executivo da entidade, Carlos Evangelista, diz que “isso ocorre à medida que [o PL] incentiva a instalação de sistemas de geração nas áreas de menor consumo, ajudando a reduzir o excesso de geração em áreas já saturadas e, consequentemente, a carga nas linhas de distribuição. O Rebe permite um planejamento mais harmônico e ajuda a suavizar o impacto do fluxo de potência em áreas urbanas e rurais, direcionando os benefícios da geração distribuída de forma mais equilibrada em todo o sistema elétrico”.

Conflitos e contradições da resolução 1.059 e 1.098

Martins denuncia a falta de transparência nas reprovações e a ausência de embasamento técnico para resoluções como a 1.059 de 2023 da Aneel, que introduziu a inversão de fluxo como motivo de reprovação. “A resolução 1.059 entrou um mês depois da Lei 14.300, criou a chamada inversão de fluxo e não deu transparência nenhuma a este processo, apenas começou a reprovar os projetos”, afirma o executivo. “Há mais de um ano, o Deputado Lafayette Andrada solicitou uma explicação técnica à Aneel sobre a justificativa dessa resolução, mas, até agora, a agência não se posicionou tecnicamente sobre o assunto”.

Outro exemplo de conflito regulatório é a resolução 1.098 da Aneel, conhecida como “fast track”, que prevê que projetos até 7,5 kW não precisam passar pela avaliação de inversão de fluxo de potência, sob determinadas condições. “O que a Aneel acaba estranhamente confessando nesse documento é que, se eu colocar 10 de 7,5 kW e adicionar um termo em que não vou compensar o crédito em outro endereço, o projeto é aprovado automaticamente. Mas, se eu criar um projeto de 7,5 kW ou até menor e não assinar esse documento, ele é reprovado por inversão de fluxo. Não faz sentido. Por exemplo, se eu posso colocar 10 projetos de 7,5 kW em uma rua, por que não posso criar um projeto de 30 kW? Ou um de 75 kW naquele quarteirão?”, critica Martins. Ele questiona a lógica por trás dessa política e propõe, através do PL 624, uma solução mais transparente e uniforme para projetos de diferentes portes.

Propostas do PL 624: simplificação e transparência

Para garantir justiça e acessibilidade no setor, o PL 624 estabelece que projetos de até 7,5 kW estejam isentos da análise de inversão de fluxo, por serem considerados de impacto mínimo na rede elétrica, mas sem as condições impostas pela Aneel. Já para projetos entre 75 kW e 3 MW, Martins explica que o projeto de lei prevê um processo claro e fundamentado, exigindo que os cálculos de impacto da rede sejam feitos por um engenheiro eletricista registrado no CREA, com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e todos os dados técnicos compartilhados. “Essa característica de fornecimento de dados já é utilizada na ONS há muito tempo, quando se fazem usinas centralizadas. Só que, na geração distribuída, isso é uma caixa-preta dentro das distribuidoras”, destaca Martins.

A proposta do PL 624 também busca proteger a legislação contra regulamentações que, na opinião dos apoiadores, vão além do que é estabelecido pelo Congresso Nacional. “Não podemos ter uma agência reguladora fazendo normas superiores à legislação sancionada pelo governo da República”, reforça o executivo, defendendo que os ajustes de redação do PL são necessários para impedir que a Aneel extrapole suas funções.

Diálogo entre o setor e o Parlamento para avanço do Rebe

A ABGD, que assim como a Absolar e a Aliança Solar, vem acompanhando de perto o avanço do Rebe no Senado, e informou que vem mantendo diálogo constante com os parlamentares envolvidos e promovendo ações para reforçar a importância da geração distribuída em políticas de renda e inclusão energética. “Por ora, a ‘temperatura’ no Senado mostra um ambiente propício e sensível às questões de transição energética e combate à pobreza energética, mas ainda requer atenção para garantir que o projeto avance com o suporte técnico necessário e uma regulamentação que esteja em sintonia com o setor elétrico. Acreditamos que é preciso um acompanhamento contínuo para consolidar os aspectos técnicos e operacionais que sustentem a viabilidade do Rebe”.

Sauaia reconhece que por conta das eleições municipais, houve uma diminuição das atividades parlamentares, mas o Congresso Nacional começa a retomar suas atividades esta semana. “Esse é o cenário propício para que a gente possa acelerar o processo de tramitação desse Projeto de Lei tão estratégico e urgente para o mercado e setor”, finaliza o CEO da Absolar.

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