O primeiro semestre de 2025 confirmou o que o setor solar já vinha percebendo na ponta: o crédito continua sendo essencial para a expansão da geração distribuída (GD), mas o ritmo desacelerou. De acordo com o Estudo Estratégico de Geração Distribuída da Greener de 2025, referente ao 1º semestre do ano, apenas 41% das vendas de sistemas fotovoltaicos foram financiadas no período, contra 46% no mesmo intervalo de 2024 e 53% em 2023. Ainda assim, o número está acima dos 30% observados em 2022, o que reforça que, mesmo em retração, o financiamento segue sendo um dos pilares de sustentação do setor.
O levantamento mostra que o mercado manteve consistência, com 4,5 GW instalados e mais de R$ 11 bilhões investidos no semestre, um desempenho expressivo diante de um cenário macroeconômico desafiador, com juros ainda elevados, seletividade bancária crescente e incertezas regulatórias sobre a expansão da GD em áreas com restrição de rede.
A alta das taxas de financiamento, citada por 58% dos integradores como principal obstáculo, e a dificuldade na aprovação de crédito, mencionada por 49%, explicam boa parte da retração. Mas não são os únicos fatores: a inversão de fluxo de potência, problema técnico que afeta a homologação de projetos em algumas distribuidoras, também começou a impactar as aprovações de crédito, especialmente para sistemas maiores e em regiões de rede saturada.
Entre a cautela dos bancos e o avanço das fintechs
O ambiente mais restritivo não impediu que players especializados ganhassem terreno. O caso da Solfácil é emblemático: enquanto grandes bancos reduziram sua originação ou até deixaram o mercado, a fintech vem registrando um segundo semestre com originação recorde.
“O mercado está em bom momento. Após um primeiro semestre mais frio, temos ocupado o espaço deixado por instituições que recuaram ou saíram do setor”, afirma Guillaume Tiret, CFO e cofundador da Solfácil. Segundo ele, um grande banco, que movimentava entre R$ 50 e 60 milhões em originação por mês, abandonou o segmento, e outros dois players tradicionais em solar tornaram-se mais cautelosos.
As razões vão além dos juros. Para bancos universais, o solar ainda é considerado um nicho, o que torna o segmento mais vulnerável a cortes diante de mudanças de apetite de risco. “A rentabilidade é limitada, porque as taxas precisam ser competitivas para o cliente final. É um jogo que exige eficiência operacional e tecnologia”, diz Tiret. Ele acrescenta que casos de fraude em operações B2B2C (via integradores) também contribuíram para o recuo de bancos com menor familiaridade com o canal.
Com uma abordagem mais digital e especializada, a Solfácil reduziu spreads ao captar recursos via CRIs e FIDCs, além de ter se tornado instituição financeira autorizada pelo Banco Central, o que permite oferecer taxas mais competitivas e ampliar o controle sobre o ciclo de crédito.
O Banco BV, outra grande instituição financiadora do segmento, também confirmou a retração, mas aumentou sua participação de mercado. “Mesmo diante de um cenário desafiador, ampliamos nossa presença e reforçamos a confiança de integradores e consumidores”, diz o diretor de Negócios de Varejo do BV, Jamil Ganan. Ele reconhece que os juros elevados foram um fator importante, mas vê sinais de estabilização e aposta na retomada gradual do mercado à medida que as taxas recuam.
A inversão de fluxo de potência, segundo Ganan, tem afetado aprovações em regiões específicas, especialmente para sistemas maiores. “Nosso papel é apoiar o setor com produtos que viabilizem essa adaptação, garantindo segurança e previsibilidade para os projetos”, afirma o executivo.
Residencial e baterias: o novo eixo de crescimento
Tanto a Solfácil quanto o BV destacam que o financiamento solar no Brasil continua majoritariamente residencial, com projetos de microgeração abaixo de 7,5 kW, geralmente voltados para pessoa física. A Solfácil afirma que mais de 90% dos financiamentos têm esse perfil, e que, nesse segmento, não houve queda significativa na potência média dos sistemas.
O BV observa tendência semelhante. “O maior volume está em sistemas residenciais e comerciais de pequeno porte. É o consumidor que busca autonomia energética e previsibilidade na conta de luz”, explica Ganan.
Mas ambos enxergam uma fronteira clara de crescimento: o armazenamento de energia. “Financiamos tanto sistemas integrados com baterias quanto baterias avulsas. O cliente quer mais autonomia e segurança, e isso cria uma linha de crédito dentro da GD”, diz o executivo do BV.
Tiret reforça a visão. “As baterias trazem independência total da rede, com payback competitivo. Os integradores precisam educar o consumidor sobre isso, especialmente em áreas com inversão de fluxo de potência”.
A tendência já aparece nos números da Greener, que mostram 71% dos integradores oferecendo sistemas híbridos com bateria, um salto em relação aos anos anteriores. O movimento não apenas diversifica receitas, mas reduz a dependência das vendas de sistemas tradicionais, abrindo espaço para novos modelos, como GD compartilhada, O&M e infraestrutura para veículos elétricos.
Dicas e boas práticas para integradores
A queda na taxa de aprovação dos financiamentos também acende um alerta para os integradores. Tanto Solfácil quanto BV reforçam a importância de processos bem estruturados e clientes bem enquadrados. Tiret recomenda três práticas principais:
- Alinhamento entre pagador e tomador do financiamento: quando o titular da conta de luz é o mesmo solicitante do crédito, as chances de aprovação aumentam.
- Construção de histórico com o financiador: novos integradores devem ter paciência e transparência; à medida que provam qualidade e satisfação dos clientes, ganham mais benefícios e agilidade.
- Educação sobre baterias: orientar o cliente sobre armazenamento e segurança energética ajuda a evitar rejeições por problemas técnicos ou de homologação.
Ganan complementa com uma visão operacional: “O histórico de pagamentos do cliente é decisivo. E o integrador precisa garantir a entrega correta do projeto, dentro das normas técnicas. Isso reduz risco, aumenta a aprovação e fortalece o relacionamento com o banco”.
Perspectivas: eficiência, tecnologia e o ciclo de crédito até 2026
Com a expectativa de redução gradual da Selic, especialistas preveem um ambiente mais favorável ao crédito solar em 2026. O avanço da regulamentação do armazenamento de energia, previsto para os próximos meses, também deve ampliar a oferta de produtos financeiros integrados com baterias, tanto para residências quanto para pequenos negócios.
A consolidação de plataformas digitais de crédito e monitoramento, como as soluções com inteligência artificial que a Solfácil está desenvolvendo, promete aumentar a eficiência das aprovações e reduzir riscos de inadimplência. O BV, por sua vez, aposta em produtos que combinem energia solar, armazenamento e eficiência energética, com foco em clientes que buscam maior previsibilidade de custos.
Mesmo em um ciclo de retração, o mercado brasileiro demonstra resiliência: o crédito segue sendo a engrenagem que sustenta o setor e define o ritmo da transição energética distribuída. À medida que o ambiente de juros se normaliza e novas tecnologias amadurecem, o financiamento solar tende a se reconfigurar em 2026 como um mercado mais seletivo, digital e estratégico, menos dependente de volume e mais orientado a valor.
Procurado pela redação da pv magazine Brasil, o braço de financiamentos do Santander, um dos primeiros bancos a financiar sistemas solares, optou por não participar da entrevista.
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