“Eu não posso ser o que eu não posso ver”

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A diretora de Gestão de Ativos da Nextracker na América Latina, Juliana Santos, além de ser responsável pela operação dos trackers instalados na região, também é responsável pelos projetos de capacitação que a fabricante oferece no país em parceria com empresas e universidades.

Nesta entrevista, ela fala sobre os quatro cursos atualmente ofertados, desde os conceitos mais básicos sobre energia solar, passando pelo uso de software para modelagem e dimensionamento dos sistemas, o PVsyst e pela capacitação para instalação de sistemas fotovoltaicos em geração centralizada, este último voltado para o público feminino.

Ela cita a frase “eu não posso ser o que eu não posso ver” para explicar que mulheres não se veem trabalhando na instalação de usinas em um primeiro momento, mas após as primeiras turmas, a procura aumenta. E os resultados são positivos, já que em equipes que trabalharam na instalação dos seguidores para clientes da Nextracker no Brasil, as mulheres, que representavam entre 40% e 60% dos trabalhadores, faltaram menos e permaneceram mais tempo nas obras, conta Juliana.

Com uma participação importante no mercado brasileiro, a companhia tem investido em pesquisa e desenvolvimento locais, tendo inaugurado um centro de excelência dentro do FIT da Flex, complexo industrial, localizado em Sorocaba, que tem uma participação majoritária na Nextracker. A companhia tinha a previsão de fornecer seguidores inteligentes para 2 GW de projetos no Brasil em 2022.

De uma forma geral, a capacitação para o mercado solar é um desafio? 

É um mercado relativamente novo e em uma rampa exponencial. Eu passo uma semana com as meninas e até agora fui eu quem liderei todas as turmas. Mas estou treinando outras mulheres que trabalham na Nextracker para elas capacitarem as próximas turmas e aí a gente vai conseguir formar mais pessoas. 

Esses projetos, falando de geração centralizada, estamos falando de 500, 800 hectares, é uma demanda muito grande de terra. Essa quantidade de terra está disponível em lugares remotos. Por isso, a mão de obra direta para montar vira um item crítico. Ou vai precisar construir alojamento, ou pagar o traslado, ou vai aproveitar o máximo possível da mão de obra local. 

É um grande desafio do mercado solar, a mão de obra capacitada. Do ponto de vista de engenharia e da mão de obra de maneira geral devido às regiões onde estão os projetos. 

Como a Nextracker têm atuado na capacitação de profissionais para o setor solar?

Estamos criando os cursos de acordo com a necessidade do mercado. Nesse momento, a gente tem quatro cursos, um de instalador de parque solar que é para um um nível de base. Esse é o meu xodó. A gente oferece em Sorocaba, mas a gente também oferece de maneira itinerante, próximo aos lugares onde tem projetos. E esse curso é voltado para o público feminino. A gente já capacitou cerca de 370 mulheres, na Bahia, Pernambuco e Minas Gerais. O próximo que estamos planejando será no Rio Grande do Norte. 

Nesse curso a gente trabalha junto com o cliente. Porque de maneira geral, esse tipo de projeto entra como métrica de diversidade e inclusão. 

Vou contar do último que a gente fez, que foi com a Elera, oferecemos uma semana de curso. Foi em um distrito pequenininho, que se chama Quem-Quem (em Janaúba, Minas Gerais), depois você procura no mapa. Então tem uma escola onde já acontece tudo, já tem um grupo de mães, aulas de corte e costura, atividades da comunidade. Então a gente foi lá conversou com a diretora e ela deu autorização. A gente montou uma estrutura com os painéis, teve carro de som passando na rua para fazer a captação do público. Tem uma frase que eu gosto bastante, que diz: “eu não posso ser o que eu não posso ver”. 

Não adianta a gente simplesmente falar “venha trabalhar com energia solar”. Tanto que a primeira turma foi a que menos teve procura, com 40 mulheres. Porque elas não se viam trabalhando nos parques solares, entendeu? Mas aí quando a gente fez a segunda turma, no mesmo lugar, a gente teve que quebrar em duas turmas porque havia 80 mulheres empolgadas para participar do treinamento, que viram as primeiras que as primeiras já tinham começado a trabalhar.  

E, falando especificamente do tracker da Nextracker, ele já é feito para facilitar a montagem, então não existe muito pré-requisito, é um treinamento simples. Em seis dias, ela sai capacitada 100%, atuando da mesma maneira que uma pessoa que tá trabalhando há três, quatro meses. 

Outra coisa interessante é que embora a estrutura metálica pese lá suas quatro toneladas, as peças são pequenas, de 2 kg. Então, dentro de um time de montagem, posso ter de 40% a 60% de mulheres. Sem causar nenhum tipo de impacto.  

Porque eu levanto a bandeira de trazer as mulheres para trabalhar no setor, mas de uma maneira que elas não impactem o trabalho dos homens. A partir do momento que o homem tem que trabalhar mais porque tem uma mulher trabalhando na equipe ao lado dele, ele não vai abraçar [essa mudança]. Quando é por esse viés, eu não gosto.  

O primeiro curso deles aconteceu há quase três anos e até hoje eu recebo mensagem das mulheres. Ontem mesmo recebi mensagem de uma porque ela foi contratada na parte de operação e manutenção do parque então, ela tem um emprego durante 20 anos, ao lado da casa dela, no nível técnico. É muito bacana.  

E qual é a quantidade das mulheres formadas que de fato vão trabalhar para o produtor de energia? 

Da última turma, a gente teve aproveitamento de 80%. Desses 80% que foram trabalhar na obra, 94% delas ficaram. A gente só teve 6% de desistência, o que é muito pouco. 

Para muitas delas, foi o primeiro emprego com carteira assinada e ter convênio médico, essas coisas fazem diferença.

O absenteísmo feminino – eu não gosto de ficar comparando, mas em alguns casos a gente acaba fazendo para ter um Norte – fica em torno de 4%, contra 12% do absenteísmo masculino dentro da mesma obra. Isto é, a pessoa que não aparece para trabalhar.  

De três projetos em que fizemos as turmas e monitoramos, a gente uma aderência boa na casa de 95%. O absenteísmo na casa de 5% de maneira geral e a rotatividade que é essa do final da obra 11% das da das mulheres, contra mais ou menos 30% a 40% dos homens. A rotatividade é saída de trabalhadores da obra nos meses finais. 

Isso é importante porque desacelera o ritmo da construção no final, mas é algo que já é considerado no planejamento.  

Além desse de instalação voltado para o público feminino, que outros cursos a Nextracker está oferecendo? 

Isso que a gente estava conversando antes, sobre simular o ganho de geração de energia com o uso de trackers, isso é feito no PVSyst, um software usado globalmente para fazer esses dimensionamentos de um sistema solar. Existem diversas variáveis.

Por exemplo, o tracker pode rotacionar de 60 graus a 60 graus, com uma liberdade maior, ou de 50 a 50 graus, os painéis podem ser bifaciais ou monofaciais. Só as condições do ambiente vão dizer qual é o melhor cenário. Toda essa simulação é feita no PVSyst. E o que mais falta no mercado hoje são justamente as empresas de engenharia que tem conhecimento para fazer esse tipo de simulação. 

Nesse momento esse é o profissional mais escasso. Então uma das coisas que a gente começou a fazer no Instituto  (Flex Institute of Technology) é formar turmas de 10 em 10 pessoas para aprender a fazer essas simulações.  

Cada usina, cada projeto, pode ter cerca de 70 diferentes configurações. Porque a conta tem que fechar do ponto de vista de geração de energia e do ponto de vista financeiro. 

Por exemplo, uma fileira no rastreador pode ter cinco metros e meio de distância uma da outra, ou sete. Quanto mais distante melhor, porque reduz a temperatura e reduz o risco de sombra, só que também precisa ter uma área muito maior e vai gastar mais cabo. Tem muitas variáveis. 

Além dos cursos de instalação e de uso do PVsyst, quais são os outros dois? 

Temos o curso introdutório, de fundamentos da energia solar, distinção entre centralizada e distribuída. A gente não oferece só para o público interno, faz para o público externo também, em parceria com as faculdades da região. Então, por exemplo, essa semana entrou um novo gerente e ele vai fazer o curso justamente porque ele não é dessa área, para que ele tenha esse conhecimento inicial.  

E temos também um mais específico, sobre risco de solo. Essa é a grande diferença entre fazer um parque solar no Brasil ou fazer um parque solar em qualquer outro lugar do mundo. É o que a gente chama de risco geológico ou do solo. 

O solo do Brasil é um solo para agricultura, de maneira geral, e tem coisas que são muito específicas, que não tem nenhum outro lugar do mundo. 

No Brasil tem evento forte, mas na Austrália também tem vento forte, em algumas regiões Estados Unidos, também. Agora a condição de ter um solo mais corrosivo de ter um solo mole de ter o tal do cupinzeiro de outras coisas, isso é uma é uma característica que só existe no Brasil. 

E qual é a duração desse desses cursos? Você falou que o de instalação são cinco dias, certo?

Isso, são 40 horas. O de campanha geotécnica são 20 horas. O de fundamentos da energia solar são 16 horas e o de engenharia de projeto, aí a gente tá falando de quase 80 horas de curso. 

Quem exatamente pode participar?

O curso de instalação, é direcionado para as pessoas que já estão na região de instalação ou já trabalham na área. O curso de dimensionamento também. Até o momento, está vindo mais quem já é da área. Estamos trabalhando agora com as universidades justamente para trazer as pessoas que não tem conhecimento, para que elas vejam e comecem a se especializar nisso e direcionem a carreira delas. 

Com quais universidades vocês estão em contato?

Agente tá com a Facens, que é a que está mais adiantada, a faculdade de engenharia daqui de Sorocaba e Uniso, daqui de Sorocaba também. Nesse momento inicial, a gente estava focando mais aqui. Mas estamos começando a trabalhar também com a UFSC, que daí já é uma das referências nacionais de energia solar, e a Unicamp. 

Nesse momentos as pessoas estão saindo indicadas pelos coordenadores dos cursos, das universidade e também quando em alguma reunião com clientes essa dor surge e aí o Nelson [Falcão, diretor de Vendas] convida a mandar pessoas para fazer os cursos. 

E os cursos não são pagos?

Não é pago, a nossa intenção é realmente auxiliar o máximo possível o crescimento do mercado. 

Existe algum tipo de seleção ou triagem? Porque imagino que a procura seja alta.

Vai ter uma procura grande, mas ainda não tem porque a gente ainda está nas turmas iniciais. Então como a gente tá nas tornas iniciais eu digo que não tem uma procura grande. Deve ter uma lista de algumas pessoas interessadas. Mas, por incrível que pareça, justamente por causa das cargas horárias altas, existe um investimento de tempo.

Mas sim a gente estima que vai ter uma procura alta. O de instalação por exemplo, a gente faz uma turma por mês e a gente tem os quatro próximos meses é preenchidos.

Como uma pessoa que leia essa entrevista e se interesse pode saber como participar e quando vai abrir uma nova turma?

Eu vou te mandar o e-mail da pessoa (Igor Garcia). Se você quiser você coloca lá quando você publicar. E vamos encher a caixa dele de e-mail é igarcia@nextracker.com.br.

Quantas turmas estão previstas para esse ano?

A gente vai ter 10 turmas de instalação, três turmas de campanha geológica, seis turmas de fundamento de solar e, vamos colocar três, eu gostaria de fazer quatro, mas três turmas de projetos. 

Participarão parceiros, indicados de clientes e também interessados no geral. A meta que eu dei para o time, é mais 300 pessoas treinadas em todos esses cursos. Seria praticamente fazer em um ano que a gente fez nos quatro anos anteriores, mas porque hoje a gente tem um time focado para isso [a equipe de P&D da Nextracker é formada por 51 pessoas]. 

O curso de engenharia de projeto e o de instalador são os dois que a gente tem a maior demanda, porque hoje esses são cursos pagos no mercado e são cursos com um investimento muito alto.

Até existem versões mais baratas, online, mas a aula tá gravada, você fica assistindo e tudo mais mas assim oferecer uma infraestrutura como a que a gente tem no laboratório [o centro de excelência montado nas instalações da Nextracker em Sorocaba], em que você consegue simular e ver o sistema real.

Mas não queremos criar atrito com as empresas que prestam esse serviço não é o nosso negócio, o core é vender rastreadores solares. A nossa intenção é realmente causar um impacto na sociedade. Se você entrar no site da Nextracker hoje, ainda não temos uma área dedicada a esses cursos, por exemplo. Mas é uma ideia para o futuro.

É por que de fato há essa demanda, até para o negócio da Nextracker crescer.

Sim. É uma questão estratégica para a gente, é importante que o cliente, que a empresa de engenharia, que quem está do outro lado [recebendo e instalando os rastreadores] tenha um nível de conhecimento mínimo.

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