A palavra mágica da geração distribuída é “simultaneidade”, diz Sauaia

Share

A palavra da vez para a geração distribuída é a “simultaneidade”, diz o presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia. Os sistemas que geram energia no próprio local de consumo e no mesmo momento em que há demanda de energia serão os menos afetados pelas mudanças trazidas pela Lei 14.300, analisa o executivo. Nesta entrevista, Sauaia comenta sobre o cenário para o crescimento da GD e quais outros fatores podem afetar a atratividade do segmento.

A Absolar compartilhou a expectativa de que a geração distribuída cresça 5,6 GW neste ano, contra 7,1 GW instalados em 2022. Como a lei 14.300 impacta a atratividade de projetos? Isso justifica a queda prevista no volume anual de instalações de GD?

Geração distribuída fica relativamente próximo dos 6,5 GW, agora já são 7 GW, da geração distribuída. Há uma defasagem de aproximadamente três meses nesse número [de capacidade instalada, disponibilizado pela Aneel] ainda deve ser atualizado. Seria um pouco maior no ano passado do que esse ano, que pegou o final da regra anterior, do período de direito adquirido – em que se pode compensar integralmente o crédito de energia elétrica. Houve um esforço para aproveitar essa janela de oportunidade e isso se observa nos números. A gente ainda deve ver os números de 2022 aumentar um pouco mais.

O mercado está entrando em uma nova fase, de entender como explicar de forma simples para os consumidores as vantagens da geração distribuída. É um ano de adaptação, isso reflete nas nossas projeções, que são mais conservadoras.  

A palavra mágica do setor é “simultaneidade”. É interessante buscar maximizar o quanto possível a simultaneidade entre o horário da produção e consumo de energia elétrica. Quanto menos energia você injetar na rede, menor o impacto de cobrança de Tarifa de Uso do Sistema de D istribuição (TUSD) do fio b. Essa tarifa só será cobrada quando é feita a injeção da energia gerada na rede.  

Produtores rurais, prédios públicos, unidades consumidoras com ar condicionado, luzes, maquinário da fábrica ligados, que têm atendimento em horário comercial ou que trabalham de casa, podem ter esse perfil. Estão consumindo justamente no horário que o sistema está gerando e a energia é consumida instantemente, sem passar pela rede. Para esses consumidores, a lei tem um impacto marginal. Mesmo os residenciais que saem para trabalhar e voltam no final do dia, costumam ter uma simultaneidade de 45%. 

O impacto dessa mudança de regra pode ser minimizado com uma estratégia inteligente. O sistema pode ser dimensionado para injetar o mínimo possível na rede. O consumidor também pode avaliar soluções com sistema de armazenamento, o custo para o consumidor que está conectado à rede ainda é um desafio, mas onde há muita queda de energia elétrica ou para um sistema off-grid, já é economicamente viável.  

Para aqueles que geram créditos de energia para usar em outras unidades, o impacto será maior? 

Para a geração remota, por exemplo aquele sistema instalado em uma fábrica que gera energia excedente para abater os créditos nas contas de outras unidades, como no escritório, pontos comercias, sim. Quando a energia transita na rede, algum nível de abatimento de parte desse valor, a título de custeio da rede, vai acontecer. Mas isto representa 4% da conta de energia na baixa tensão. Se antes compensava-se os créditos na proporção de 1 para 1 agora será na proporção de 1 para 0,96. Não é algo que inviabilize ou que impeça de fazer. Como temos reajustes tarifários e outros fatores que podem entrar no horizonte [isso pode ser absorvido].

Quais outros fatores também afetam a atratividade da GD? 

Por um lado, os projetos com solicitação do orçamento de conexão, o antigo parecer de acesso, ainda têm um prazo para entrar em operação comercial, sem perder esse direito [de compensação de créditos na proporção de um para um, válido para solicitações realizadas até 07/01/2023]. São 120 dias para unidades com microgeração (até 75 kW), 12 meses para minigeração solar (mais de 75 kW) e 30 meses para minigeração das demais fontes. 

Há outros efeitos macroeconômicos, como a mudança política, o ambiente de taxa de juros desconhecida com uma tendência desfavorável e taxa cambial desconhecida. Todas essas incertezas na esfera federal, e nos estados que também tiveram mudanças, afetam essa projeção.  

Houve também a redução do ICMS incidente sobre energia e combustíveis, qual foi o impacto disso? 

O impacto da redução do ICMS na conta de energia, que tem alíquota máxima de 17%, aliviou o peso de energia elétrica, houve até uma deflação nos meses subsequentes. E o consumidor quando sente esse alívio pode postergar a decisão de investimento em solar e outras ações de eficiência energética.  

Mas o efeito prático disso foi muito pontual. A mágica não se repete. Apesar de ter sido estrutural, porque a redução não sumiu no mês seguinte, é uma receita que não pode mais ser repetida.

Além disso, há estados que estão questionando essa redução porque o caixa deles foi afetado, as fazendas dos estados estão cobrando seus representantes no Congresso, no governo federal. A ideia é ter uma solução estruturante que não dilapide a capacidade de investimento dos estados que foi muito afetada.
Esse ano temos previsão de reajustes tarifários, provavelmente acima de inflação, esse cenário não muda muito. O que pode ocorrer também são eventuais tentativas dos estados de recompor sua arrecadação. Isso pode ser recompondo sua arrecadação com a alíquota de ICMS, seja onerando setores produtivos. 

Como fica o cenário para desenvolvedores de projetos que miravam o segmento C&I com projetos até 5 MW? 

A mudança [da potência máxima de geração solar distribuída] de 5 MW para 3 MW, pela própria restrição da capacidade de escoamento de subestações e de pontos de conexão, não terá impacto significativo, porque já havia mais indisponibilidade de conexão para projetos com 5 MW. Uma vantagem da solar é que ela é muito modular. Claro que existe o ganho de escala dos projetos. Mas é possível obter essa vantagem com um volume maior de projetos menores em localidades diferentes mas próximas, mantendo os ganhos de escala na aquisição de equipamentos e até na mão de obra.

Esta é a segunda parte de uma entrevista que foi dividida em duas. A primeira, em que o executivo fala sobre o melhor ano da geração centralizada no país até o momento e sobre a atração de uma indústria local, pode ser lida aqui

Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reutilizado. Se você deseja cooperar conosco e gostaria de reutilizar parte de nosso conteúdo, por favor entre em contato com: editors@pv-magazine.com.