O ano da geração centralizada

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Com novo governo e antigos desafios, a expansão da geração solar deve continuar em 2023 com a nova frente aberta pelo mercado livre para a geração centralizada. A capacidade de escoamento do sistema de transmissão segue sendo um ponto de atenção, de acordo com o presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia.

Nesta entrevista, ele defende que governo e empresas alinhem suas ações com os seus discursos, desviando subsídios e investimentos em fontes fósseis para as fontes renováveis. “Para se falar que está fazendo uma transição energética, então pelo menos 51% dos novos investimentos têm que ser em renováveis”, diz.

Sauaia também comenta sobre os caminhos para criação de uma indústria solar no país e convergência com os planos de reindustrialização verde do governo.

A Absolar compartilhou a expectativa de que a geração centralizada deve instalar 4,6 GW em 2023, contra 2,6 GW instalados em 2022. O que explica o crescimento de 2 GW nas instalações anuais de GC?  

A geração centralizada tem um período de maturação da ordem de dois anos, considerando negociação e assinatura de contratos, construção, licença. Dá para fazer em menos tempo, mas em geral, é isso. Em 2019 a solar começou a ficar mais competitiva e a negociar com consumidores livres, mesmo sem uma solução de financiamento consolidada ainda. Mas em 2020, 2021, a pandemia segurou os apetites e as decisões. Foi um ano desafiador para o fechamento, mas de 2021 em diante, contratos passaram a ser fechados de forma mais recorrente. Agora os empreendedores estão colocando de pé os projetos. Há uma grande demanda já de contratos com epcistas, uma movimentação logística para trazer os equipamentos. Esse deve ser o grande ano de entrega da geração centralizada. É uma projeção conservadora, talvez a gente se surpreenda, mas vai depender do cronograma das obras.   

A expansão da geração solar centralizada está bastante apoiada no mercado livre. Qual é o potencial de crescimento nesse ambiente? Qual é o perfil dos contratos fechados no mercado livre em comparação com os contratos de leilões federais? Há riscos em relação ao acesso à rede de transmissão? 

No mercado livre, temos visto empresas como Cemig, Copel, Santo Antônio, fechando contratos de compra de energia com duração de 15 a 20 anos. Solar e eólica começaram a avançar mais nesses contratos mais longos nos últimos anos. Também podem compor com contratos mais curtos de cinco anos, buscando conjuntos de compradores.

O leilão de acesso à rede de transmissão [Procedimento Competitivo por Margem, previsto para o primeiro semestre de 2023] do Ministério de Minas e Energia é uma ferramenta para racionalizar o acesso à conexão e otimizar o uso do sistema de transmissão, para que os projeto mais maduros possam se conectar e para que os projetos de papel, que não se viabilizam, não acabem bloqueando espaço de escoamento útil.

Conceitualmente faz sentido, mas a forma de implantar e os custos nos preocupam, para não prejudicar empreendedores que já fizeram investimentos, que estão buscando investidores apoiadores, já assumiram acordos com consumidores. Também defendemos que não seja usado para criar um mecanismo de arrecadação.  

Pretendemos ter reuniões especificas com ONS e Aneel e Ministério para chegar a um modelo adequado para o leilão.

A questão da transmissão está afetando também os projetos em operação, houve um aumento da ocorrência de constrained off [quando o Operador Nacional pede o desligamento ou diminuição da geração de energia por falta de capacidade de escoamento] no caso dos empreendedores solares. Como esse tema ainda não tem uma solução regulatória (como há a previsão legal de ressarcimento pela energia não gerada em caso de outras fontes de energia), resulta em perda de receita para o gerador solar. Há um desperdício da energia porque não consegue transportar. O gerador está entregando o seu produto, mas não pode prever o corte do operador, fica à mercê da decisão externa.  

O crescimento previsto para solar em 2023 deve demandar R$ 50 bilhões de investimentos, quase metade disso para geração centralizada. Como as discussões ESG podem afetar a oferta de crédito para energia solar?  

Temos visto novos modelos de financiamento avançar como a emissão de debentures incentivadas de infraestrutura. O financiamento recente do BNDES atrelado ao dólar, foi uma virada de paradigma importante. Contratos referenciados em dólar, ajudam a mitigar risco cambial no capex, e os equipamentos que são o principal componente do capex da usina são muito sensíveis à flutuação cambial. Essa inovação no financiamento ajuda a reduzir incertezas externas, que eram incorporadas no custo do projeto.  

A gente observa as instituições e os investidores cada vez mais exigentes com critérios ESG que passam a permear mais as decisões e as próprias condições de acesso a esse investimento, prazo, taxas mais competitivas.  

Isso deve se mostrar importante tanto para os projetos nas usinas, quanto para o setor produtivo. Eventualmente as instituições financeiras irão questionar: “você quer aumentar a sua produção, mas quão sustentável é essa expansão, que tipo de medidas você aplica no seu dia-a-dia?”. O consumo ou produção de energia renovável incluído no projeto pode ajudar a abrir portas para o setor produtivo acessar esse tipo de crédito.  

Os bancos públicos tem saído na frente do ponto de vista de incluir ESG no seu escopo do trabalho, como BNB, BNDES, Caixa. É um movimento bastante amplo que tem acontecido. Grandes fundos e gestores anunciando desinvestimentos de fontes fósseis.  

Isso vai ser uma oportunidade para fontes tradicionais migrarem e ampliarem os seus modelos de negócios para novas energias, longe de enxergar como morte anunciada de seus negócios, que olhem para isso com uma perspectiva de oportunidade. Para se adaptar.

Mas discursos e ações têm que se alinhar. É o tipo de assunto para o qual instituições financeiras, fundos internacionais, olham na lupa. Para se falar que está fazendo uma transição energética, então pelo menos 51% dos novos investimentos têm que ser em renováveis.  

Nos últimos anos países voltaram a considerar o desenvolvimento de indústrias locais de energia solar. Faria sentido para o Brasil adotar políticas semelhantes? Quais outras estratégias podem ser adotadas para minimizar os riscos relacionados à capacidade de fornecimento e entrega da cadeia global? 

Esse tema está quente na pauta de uma série de governos, em especial EUA e Europa com planos de industrialização verde, diversificação e atendimento das cadeias produtivas e geração de emprego nas cadeias de energias renováveis. Perceberam, com a guerra na Ucrânia e os impactos no fornecimento de energia global, que é ruim manter todos os ovos numa mesma cesta, ter essa dependência de um mesmo setor. Os dois blocos têm trabalhado em políticas industriais e políticas robustas para a atração de investimentos em renováveis.

O Brasil pode desenvolver esse debate. É o único país da América do Sul que tem condições de se tornar um hub industrial. Temos demanda interna e boa relação com outros países da região, boas condições de matérias prima, condições técnicas e tecnológicas para justificar esse tipo de iniciativa. O que precisamos é de um debate como país. O governo federal está trazendo essa discussão de reindustrialização sustentável, parece disposto a desenvolver uma política robusta. O que precisa acontecer é conhecido: redução de carga tributária na matéria prima, apoio de financiamento e capital de giro para a indústria sustentável adquirir seu maquinário. Um programa de P&D, de inovação tecnológica, para colocar a indústria competindo do ponto de vista tecnológico com outros mercados.  

É possível um desenvolvimento bem atrelado com outras políticas. Por exemplo, em prédios públicos, de habitação popular, poderiam ser instalados os equipamentos “made in Brazil”. Vai sair mais barato que comprar na China? Não vai. Mas também não vai sair mais barato nos EUA e nem Europa. Eles vão pagar mais porque enxergam valor estratégico, de ter uma indústria própria. Pelo menos no começo não será competitivo, mas no começo toda indústria precisa desse apoio.

Quais políticas públicas a Absolar defende para a expansão da energia solar? Como a geração solar pode contribuir com outras pautas como agricultura sustentável e habitação?  

Há uma oportunidade grande de uso da fotovoltaica apara irrigação, dessalinização de água, universalização do acesso à energia elétrica. Tem a oportunidade de produção de hidrogênio verde que pode abastecer a produção de commodities brasileira, com um selo de produção sustentável.  

No Congresso, ainda temos que esperar o poder legislativo, as formações das comissões. Mas uma das pautas destacas será a reforma tributária. E aí achamos que cabe discutir, por exemplo, se não há uma incoerência na legislação brasileira em relação aos incentivos aos combustíveis fósseis. O INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos) calculou R$ 118 bilhões em subsídios para produção de combustíveis fósseis – é mais de três vezes o orçamento do bolsa família. Será que não está na hora de mudar isso e alinhar com o discurso? Se queremos transformar para uma economia verde, esse incentivo poderia ir para fontes renováveis. Nossa prática não está casada com o novo discurso, é necessário uma reavaliar e reconstruir políticas pública.  

Esta entrevista foi dividida em duas partes e as perguntas e respostas sobre geração distribuída serão publicadas na sexta-feira (03/02).

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