Durante seminário promovido pelo BNDES nesta semana no Rio de Janeiro, especialistas de Neoenergia, Matrix Energia e Atlas Renewable Energy apresentaram casos reais que demonstram a versatilidade das baterias de armazenamento de energia em diferentes modelos de negócios.
O debate foi moderado por Eduardo Tobias, sócio da Watt Capital, que abriu o painel destacando a aceleração global do segmento — cerca de 175 GWh de armazenamento foram instalados no mundo no ano passado, número que pode chegar a 250 GWh em 2025. No Brasil, embora ainda longe do primeiro gigawatt-hora, o setor gera grande expectativa de crescimento, sustentada pelo LRCAP voltado exclusivamente para baterias, além da inclusão da tecnologia nos sistemas isolados e avanço em aplicações comercias e industriais. Além disso, a evolução do debate sobre a regulação na Aneel (CP 39) e a criação do agente armazenador com incentivos fiscais via MP 1.304 devem contribuir para a evolução do segmento.
A diretora vice-presidente da Neoenergia, Solange Ribeiro, avaliou que a tecnologia é madura e que o desafio atual é fechar a equação de preço e de receita. Ela defende começar por aplicações menores, enquanto o país avança na valoração de serviços ancilares— que, no mundo inteiro, representam a espinha dorsal da remuneração das baterias, mas seguem subestimados no Brasil.
Microrredes, bateria móvel e descarbonização de Fernando de Noronha
A executiva apresentou iniciativas da Neoenergia com a adoção de baterias, como o projeto de descarbonização de Fernando de Noronha. Hoje 95% dependente de diesel, a ilha terá 22 MWp de solar e 49 MWh de baterias, com capacidade para suprir 14 horas noturnas. A primeira fase, de R$ 350 milhões, entra em operação no primeiro semestre de 2026.
A solução elimina a dependência de combustível fóssil, reduz a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), melhora a segurança energética e forma um modelo replicável para outros sistemas isolados — especialmente no Norte. A rede será totalmente digitalizada para integrar solar, baterias e o diesel de backup.
Outra frente é o desenvolvimento de uma bateria móvel de 9 MW que a Neoenergia colocará em operação no primeiro trimestre de 2026. O equipamento pode ser deslocado pela rede para reforços temporários, estabilização de tensão ou contingências. “É relativamente barato e extremamente útil. A gente já tem subestações móveis e agora estamos começando a testar o banco de bateria móvel”, afirmou Ribeiro.
“Transmissão, distribuição, renovável — nossos parques que têm sofrido com curtailment —, podem ser apoiados por bateria. Temos alguns projetos, e inclusive com tecnologia nacional. A gente tem, por exemplo, um projeto super bacana no Hospital do Câncer lá em Pernambuco, de eficiência energética, com baterias Moura, além do projeto em Fernando Noronha com a WEG”.
A executiva enfatizou que a bateria deve ser uma aliada do setor, não um elemento que distorça o preço. Ribeiro também mencionou que o presidente do conselho da Iberdrola, controladora da Neoenergia, Ignacio Sánchez Galán destaca a importância das redes e das baterias como dois pilares da transição energética global.
Aplicações C&I e estacionamento de ônibus elétricos
Para a Matrix Energia, uma das maiores comercializadoras do país, o armazenamento se tornou uma nova forma de atender as necessidade de clientes comerciais e industriais. O presidente do Conselho de Administração da empresa, Wilson Ferreira Júnior, menciona que a empresa já negociou 250 MW/h de armazenamento em baterias, dos quais 90 MW/h já em operação para clientes C&I, incluindo frigoríficos e agroindústria, mineração, insumos industriais, hospitais e centros médicos, supermercados e varejo, e data centers em operações críticas. Além disso, a companhia já 250 MW/h, já contratados, 90 deles já em SENAI, instalados em operação.
“Tem mais de 30 GWh hoje no Brasil mapeado para para o uso de bateria. Como a gente faz esse negócio virar? O investimento é da companhia e nós temos hoje uma integração com a WEG. Então isso permite a financiabilidade desses ativos. Tecnicamente, o nosso modelo realiza o time shifting, ou seja, carrega a bateria fora da ponta, e também oferece o peak shaving, essa arbitragem que existe entre o preço fora ponta e ponta que, especialmente no Norte e Nordeste, é algo que viabiliza o pagamento desse ativo”.
O executivo destacou a rapidez da implantação da solução, o que representa uma vantagem da tecnologia para solucionar o crescente risco de atendimento no sistema elétrico brasileiro nos horários de pico de consumo.
“Se for falar em fazer uma termoelétrica, fazer uma reversível, dado o nível de problema que nós temos, a bateria é uma solução muito mais rápida. Nós somos parceiros da Huawei aqui e nós colocamos uma bateria dessas de grande porte, de 5 MW, em cerca de 120 dias aqui no Brasil”, menciona.
Outra aplicação que já se materializa é o uso de baterias na infraestrutura de recarga de ônibus elétricos. Ferreira Júnior apresentou o caso da prefeitura de São Paulo, que planeja substituir toda a frota até 2035. A Matrix já instalou 88 MWh em sete garagens, dentro de um programa de 500 MWh que atenderá os primeiros 2.000 ônibus.
O modelo soluciona um entrave estrutural, diz o executivo, já que a rede das garagens não suporta os carregadores de 150 kW a 200 kW. As baterias permitem carregar fora da ponta e liberar energia durante a noite, transformando cada garagem em um hub energético.

Imagem: SPTrans
Pelo contrato com a Matrix, a prefeitura paga pelo MWh consumido — custo menor que reformar a rede inteira — e a solução evita sobrecargas, afundamento de tensão e atrasos no programa de eletrificação. Também há ganhos ambientais e operacionais, com manutenção 80% mais barata, zero emissão de material particulado fino (MP 2,5) ou óxidos de nitrogênio (NOx) e 100 toneladas de CO₂ evitadas por ônibus a diesel substituído.
Experiências da Atlas no Chile para inspirar o Brasil
A Atlas Renewable Energy, que opera sistemas BESS de grande porte na América Latina, trouxe uma perspectiva internacional que ilumina caminhos para o Brasil. O country manager da empresa no país, Fabio Bortoluzo, cita o caso do Chile, que avançou no armazenamento com baterias porque já contava com mercado de capacidade e um sistema de formação de preço aderente à oferta-demanda horária e nodal. No país, a Atlas opera um sistema de 200 MW/800 MWh, associado ao projeto fotovoltaico Sol do Deserto, com contrato de disponibilidade com a comercializadora Emoac. A companhia também tem um contrato para mais 230 MW de armazenamento com a comercializadora Colbún e outros 420 MW associados a novos projetos fotovoltaicos, que compõem PPAs com grandes mineradoras chilenas, a Codelco e a CMP.
Para Bortoluzo, o LRCAP será essencial como primeiro “sinal de valorização da capacidade” no Brasil — passo necessário antes de o país depender menos de leilões. Mas há questões técnicas sensíveis: ciclagem diária, software de controle (ainda mais complexo em sistemas híbridos), ponto de medição e uso da infraestrutura existente.
O executivo também destacou que a arbitragem ainda é limitada no Brasil, porque a formação de preços não sinaliza adequadamente valor e escassez. Serviços ancilares, segundo ele, têm potencial maior do que o mercado costuma enxergar.
Carga tributária e financiamento dos projetos
Tobias ressaltou o papel do BNDES para viabilizar o financiamento do armazenamento no Brasil e citou o primeiro apoio via Fundo Clima para baterias, no valor de R$ 120 milhões, para a ION Energia. Ele avalia que a reforma tributária deve reduzir distorções ao eliminar IPI e que a inclusão de baterias no REIDI e isenção de imposto de importação via Lei 15.269 (MP 1.304) contribuem para a viabilidade dos projetos.
Apenas retirar esses impostos poderia reduzir em 30% o custo da capacidade em um leilão, segundo Bortoluzo. Além disso, o executivo sugeriu que estender o prazo dos contratos no LRCAP (de 10 para 15 anos) pode gerar um ganho de 10% a 15% no preço final do bid, pois permite financiamentos mais longos e reduz o riscos.
Nesse sentido, Tobias alertou que muitos desenvolvedores ainda não compreendem plenamente como o BNDES estrutura suas operações e acabam assumindo prazos e custos incorretos ao modelar projetos, o que pode comprometer expectativas de retorno em leilões. Ele defendeu maior clareza nas regras para projetos vencedores do LRCAP, e citou a necessidade de esclarecer regras específicas por exemplo para projetos que optem por equipamentos nacionais.
A executiva da Neoenergia destacou que tecnologias emergentes não avançam sem um desenho mínimo de estabilidade e citou exemplos recentes de operações de Green Loans e Sustainability Linked Bonds realizadas por sua empresa, inclusive com o Banco Europeu de Investimento e a IFC. Ainda assim, ela avaliou que, aos preços atuais oferecidos pelo BNDES para linhas regulares, “não decola”, reforçando a necessidade de aprimorar instrumentos dedicados, como o Fundo Clima.
Ribeiro também defendeu que a discussão sobre conteúdo local seja tratada com realismo. Segundo ela, o Brasil tem condições de desenvolver uma política industrial sólida no médio e longo prazo, principalmente diante do papel estratégico que pode desempenhar na cadeia de minerais críticos. “Não podemos ficar importando baterias e componentes indefinidamente”, disse.
Ferreira Júnior reforçou que, havendo perspectiva concreta de receita e um CAPEX competitivo, o financiamento surge — seja por meio de linhas tradicionais, seja por instrumentos como FINEP e Eco Inverso, já utilizados pela Matrix. O executivo alertou que a fase inicial da tecnologia no país inevitavelmente contará com equipamentos importados, exigindo um período de transição até que uma cadeia local seja capaz de atender ao mercado.
Já Bortoluzo alertou que a operação de sistemas de baterias é um desafio técnico que influenciará diretamente o apetite dos financiadores. Experiências internacionais — como as dificuldades enfrentadas na Califórnia em 2021 — mostram que desempenho operacional e aderência entre modelagem e realidade são fatores decisivos para reduzir riscos e garantir que o retorno projetado se concretize. Segundo ele, tanto financiadores principais quanto instituições responsáveis por garantias precisam considerar esse histórico nas análises de crédito.
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