Avanço do armazenamento de energia esbarra na falta de regulamentação e em desafios técnicos

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O setor elétrico brasileiro vive um paradoxo: enquanto cresce a necessidade de flexibilidade na matriz, pressionada pela expansão das renováveis variáveis, como solar e eólica, o avanço do armazenamento de energia segue travado por indefinições regulatórias. O atraso na regulamentação do leilão de reserva de capacidade com foco em baterias preocupa fabricantes, investidores e especialistas, especialmente diante da escalada nas contas de curtailment (redução forçada de geração), que já ultrapassam R$ 4 bilhões.

“O Brasil tem um histórico bem-sucedido de estímulo a novas tecnologias por meio de leilões, como vimos com a energia eólica em 2009 e a solar em 2014. Mas com baterias, seguimos emperrados”, criticou o CEO da Greener, Maárcio Takata, durante o painel sobre o tema durante 7ª edição do Greener Summit.

A Consulta Pública 39 da Aneel, que trata especificamente de armazenamento, completará dois anos em outubro sem avanço concreto. A CP 7 do Ministério do Meio Ambiente, que propõe a normativa essencial para o setor, também segue sem definição desde setembro de 2023. O resultado é um vácuo regulatório que inibe investimentos e deixa o Brasil atrasado em relação a países como Chile e Espanha, que já enfrentaram desafios e colheram aprendizados com essa tecnologia.

Sem leilão, setor privado ganha protagonismo

Enquanto aguarda definições federais, o mercado privado se movimenta. Dados da Greener apontam que a capacidade instalada de armazenamento no Brasil mais que triplicou entre 2023 e 2024, um salto ainda modesto em números absolutos, abaixo de 1 GWh, mas que revela um apetite crescente, especialmente entre consumidores comerciais e industriais.

Boa parte dessa expansão está concentrada em sistemas isolados, que respondem por 70% da capacidade instalada. Segmentos comerciais, industriais e residenciais ainda representam uma fatia pequena (7,5% cada), mas com potencial imenso de crescimento. A demanda é puxada por diferentes motivações:

  • Confiabilidade energética, fundamental em operações críticas;
  • Descarbonização das operações;
  • Melhoria da qualidade de energia, essencial para indústrias e o agronegócio;
  • Redução de custos com diesel, via micro-redes com baterias e solar;
  • Economia com tarifas, via load shifting e peak shaving;
  • Expansão de capacidade elétrica, sem depender da rede.

Apesar do potencial, ainda existem barreiras importantes: o alto custo de capital inicial, a complexidade técnica e operacional dos sistemas e a forte carga tributária. O custo de nacionalização das baterias pode ser até 76% superior ao da importação, enquanto para células esse valor chega a 79%, o que reduz a competitividade da cadeia local.

Modelos comerciais ganham força: baterias como serviço

Diante desses obstáculos, soluções baseadas em Energy Storage as a Service têm ganhado tração. Nesse modelo, o cliente final não precisa realizar o investimento inicial, ele paga uma taxa mensal para ter acesso à energia armazenada, enquanto o provedor da solução assume os riscos técnicos e financeiros.

Existem três formatos principais:

  1. Contrato de disponibilidade: o cliente paga pelo acesso à bateria, independentemente do uso, ideal para confiabilidade.
  2. Compartilhamento de economia: o cliente divide com o provedor os ganhos obtidos com redução da conta de energia.
  3. Modelo híbrido: combina confiabilidade e economia, com tarifas fixas e variáveis.

Casos reais demonstram viabilidade, especialmente em regiões com alto delta tarifário, como Pará, Bahia e Tocantins. Um estudo com shopping no Pará, com conta mensal de R$ 400 mil, mostrou payback de 2,4 anos no mercado regulado, com economia significativa via load shifting. No mercado livre, o retorno foi quase o dobro, devido à diferença na estrutura tarifária.

Do ponto de vista do cliente, os benefícios incluem economia imediata e redução de riscos. Já os provedores ganham escala, previsibilidade de receita e diversificação de modelos de negócio.

Queda de preços impulsiona o setor, mas falta segurança jurídica

A viabilidade técnica e econômica das baterias é impulsionada pela queda contínua no custo da tecnologia, cerca de 45% nos últimos cinco anos, com expectativa de mais 35% até 2030, segundo a Greener. O CTO da Huawei, Roberto Valer, reforça esse movimento e afirma que o Brasil já está maduro tecnicamente para avançar, desde que tenha regras claras.

“O que falta é segurança jurídica. A regulação precisa vir, mesmo que com ajustes posteriores. Sem isso, é impossível planejar investimentos de longo prazo”, afirmou o gerente executivo da Auren Energia, Alexandre Oliveira. Ele lembra que, no início da expansão solar no Brasil, projetos foram viabilizados mesmo sem uma regulamentação perfeita e que o mesmo poderia ocorrer com baterias.

Já o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Prado, explica que o desenho do leilão cabe ao poder concedente (ou seja, a Agência Nacional de Anergia Elétrica, a Aneel), enquanto a EPE fornece subsídios técnicos. Entre os pontos-chave em discussão estão a tarifa de conexão (que precisa ser definida previamente), a questão locacional (se o local da bateria será critério de seleção), e o prazo de entrega dos projetos.

Segundo Prado, se o leilão for focado apenas em reserva de capacidade, a localização dos ativos perde importância, o que dá mais flexibilidade ao investidor. Mas um modelo locacional pode extrair mais valor, ainda que com mais risco.

Horizonte de expectativa: leilão em 2024?

A indefinição regulatória afeta também a monetização dos projetos. O Managing diretor da Sunco.Capital Márcio Trannin, sugere um modelo que combine remuneração por capacidade, serviços auxiliares e arbitragem de energia para garantir viabilidade financeira. Ele também aponta a incerteza com a Medida Provisória do setor elétrico e com a precificação horária como fatores que travam o setor.

A expectativa, compartilhada pelos painelistas, é que o leilão ocorra apenas em 2026, uma espera que pode custar caro ao país, tanto em termos de segurança energética quanto de oportunidade de desenvolvimento tecnológico e industrial. Como resumiu Takata, “o problema já está posto. A solução, as baterias, já existem. O que falta é coragem para destravar o mercado.”

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