Entrevista: 18 GW de projetos em baterias à espera de um leilão

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Mesmo sem uma regulamentação específica e sem uma previsão oficial para contratação de projetos de larga escala, o armazenamento de energia em baterias no Brasil já acumula entre 700 MWh e 800 MWh instalados, estima a Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (ABSAE). Mas há pelo menos 18 GW de capacidade de projetos desenvolvidos prontos para se cadastrarem no aguardado leilão de reserva de capacidade (LRCAP) que o governo federal planeja realizar para dar uma resposta aos desafios que o Operador Nacional do Sistema tem enfrentado com a variação cada vez maior de oferta de energia no sistema, com a crescente participação das fontes intermitentes. Se 2 GW desses projetos forem contratados, serão destravados em torno de R$ 10 bilhões em investimentos.

Em entrevista à pv magazine, o presidente da associação disse que o leilão não depende da publicação de uma regulamentação para ter segurança jurídica. “Dito isso, a nossa percepção é que na verdade não há mais dúvidas técnicas fundamentais. Existem escolhas a serem feitas no desenho das diretrizes [do leilão], no desenho das regras do marco regulatório”.

Ele também comenta sobre os negócios que já estão acontecendo atualmente, puxados por aplicações em áreas rurais para atender consumidores industriais e comerciais que pagam tarifas diferenciadas durante a chamada hora ponta, quando há mais demanda por energia e preço fica mais alto para esses consumidores. As economias para esse tipo de cliente podem chegar a 35%.

Leia a entrevista na íntegra:

Acompanhamos que o relator da Consulta Pública 39 na Aneel encerrou o mandato sem levar o processo para a reunião da diretoria, qual é a expectativa da Absae para a conclusão desse processo? A associação já teve oportunidade de conversar com o novo relator, Daniel Danna? 

A urgência da gente contratar essas potências de para ela é cada vez maior. O ONS citou alguns dados bastante dramáticos em um evento no MME na semana passada. Citando que eles tiveram que efetivamente, durante algumas horas do dia, desligar 98% da potência despachável que eles tinham à sua disposição. Então a gente encara agora dois riscos de blackout, um pelo déficit no horário noturno e o outro pela sobregeração de energia provável durante o dia. Então, a situação de fato está, na minha leitura, um pouco mais urgente do que a percepção geral sugere e qualquer alteração na energia afluente pode nos levar a uma situação bastante crítica. 

Dito isso, a nossa percepção é que na verdade não há mais dúvidas técnicas fundamentais. Existem escolhas a serem feitas no desenho das diretrizes, no desenho das regras do marco regulatório, mas não há mais dúvidas fundamentais. 

E quando a gente fala especificamente do marco regulatório da ANEEL, a gente sim teve uma série de reuniões, ao longo das últimas semanas, com as principais superintendências que contribuem para essa resolução do armazenamento. 

E a gente percebe que a discussão está muito amadurecida, bastante consolidada, são poucos os pontos que ainda, digamos, estão sendo debatidos e revistos, inclusive a questão da metodologia para Tust de baterias ainda está em aberto. 

Certamente o novo relator vai fazer uma revisão do processo, mas a nossa expectativa é que a gente certamente não volte para a estaca zero e que haverá uma continuidade. 

Não podemos falar pela agência, mas o que eu posso falar é que as discussões que a gente está tendo com eles são muito construtivas e está muito avançada, muito amadurecida. Não vejo impeditivo para que essa regulamentação aconteça de forma de célere. 

A regulamentação, por muito importante que seja, não está no caminho crítico do leilão. Ou seja, ninguém pode razoavelmente argumentar que o leilão não pode acontecer porque a resolução não foi publicada. Isso não faz sentido.  

Também o ex-secretário de Planejamento e Transição Energética do MME, que acompanhava os desenvolvimentos do leilão de reserva de capacidade com participação de baterias deixou a pasta. Como ficam as discussões sobre o tema no ministério agora? 

Do nosso lado, quando você olha as o trabalho dos agentes, das empresas, certamente a gente terá uma oferta muito grande de projetos para o leilão, acontecendo no final deste ano ou no início do ano que vem, sem dúvida. A gente fez uma enquete interna e o volume de projetos está na faixa de 18 GW de capacidade, que vão solicitar cadastramento assim que isso for possível.  

O que de fato está no caminho crítico é a publicação da portaria de diretrizes desse leilão. É natural que com um novo secretário, que diga-se de passagem, tem uma excelente reputação no mercado, como uma pessoa muito qualificada e muito técnica, ele tem que se familiarizar com todos os detalhes e dar continuidade ao legado que o Barral deixou. Como isso vai se desenvolver não está claro ainda, é bastante cedo.  

Por mais delicada que seja essa alteração de comando num momento tão crucial, porque além do LRCAP, tem outras questões bastante sensíveis que estavam sendo tratadas por esta secretaria, por exemplo, a implantação da primeira leva de projetos do CGPAL, do nosso lado, a gente vai trabalhar com o Gustavo da mesma forma como trabalhamos com o Thiago.  

Quantos desses projetos estão atrelados a usinas de geração renovável? 

Desses 18 GW que a gente identificou — e eu acredito que esse número ainda vai crescer — há três tipos de projetos. A gente vai ter, certamente, projetos acoplados a usinas inováveis, sejam eólicas, solares ou complexos associados. Esse grupo representa pelo menos 40% dos projetos, talvez mais. Em segundo lugar, projetos de baterias acopladas a subestações de termoelétricas. Há situações em que existe margem de escoamento nessas subestações, incluindo projetos de termoelétrica que se prepara para o LRCAP térmico e muitos agentes que já atuam de um lado, vão achar interessante aproveitar essa oportunidade. E o terceiro são projetos genuinamente autônomos, stand alone. Como vai ser o mix, francamente, é um pouco difícil de saber. Como sempre, podemos ter surpresas, quem sabe, alguém apresenta um projeto acoplado a uma hidrelétrica 

Existe uma estimativa de potencial de atração de investimentos em armazenamento uma vez que a regulação seja publicada? E para os projetos de um possível leilão? 

Atualmente para 1 MW hora de capacidade de BESS, estamos falando de investimento na faixa de R$ 1,2 milhão a R$ 1,5 milhões. Se a gente imaginar um leilão que contrataria 2 GW potência — 8 GWh de capacidade — falamos de um volume de investimento de pelo menos R$ 10 bilhões.  

Como a ABSAE avalia o resultado da chamada de projetos para descarbonização da Amazônia? 

A gente estima que essa leva de projetos selecionados proporciona mais ou menos 150 MW horas de instalação de BESS dentro de um complexo de soluções híbridas. O objetivo sempre foi acrescentar a uma geração termoelétrica existente uma geração solar e BESS. Nesses projetos, o BESS basicamente atua como aquilo que a gente chama de reserva girante sintética, ou seja, ele compensa as intermitências da geração solar fotovoltaica. 

Os projetos que não foram escolhidos, há um pouco de tudo, desde projetos de hibridização menores a projetos que envolvem o uso de hidrogênio verde. Os agentes que não foram escolhidos agora certamente vão apresentar seus recursos, e o Ministério vai avaliar e depois vamos ver qual será chamada final. Uma coisa que há que reconhecer é que essa chamada foi organizada a partir de critérios bastante transparentes. A gente sabe que o atual consumo de combustíveis fósseis era um fator preponderante no ranking das localidades.  

Para além de indefinições políticas e regulatórias, qual é o mercado de armazenamento atual no Brasil? Quais aplicações já estão resultando em negócios? A ABSAE tem uma estimativa atualizada de qual é a capacidade instalada de armazenamento no país?   

Essa estimativa existe e será publicada durante a conferência Smarter e São Paulo. São trabalhos que já estão bem avançados e que estamos agora em vias de atualização, mas a nível, digamos, de teaser, o que que podemos falar é que a gente tem hoje algo em torno de 700 MW horas, 800 MW horas de projetos de BESS instalados no Brasil.  

Parte muito significativa desse volume ainda são projetos de eletrificação rural. Certamente, a gente teve ao longo do último ano um crescimento muito interessante de projetos comerciais e industriais, ou seja, daquela modalidade atrás do medidor. A bateria nessas situações são uma medida de eficiência energética, que ajuda a unidade consumidora a reduzir sua despesa com a luz na ponta. E a gente sabe que essa energia na ponta, especialmente no Nordeste e Norte do Brasil, tem o custo muito representativo.  

Em alguns estados, e isso depende também um pouco do perfil de consumo, a luz paga na ponta representa a maior parcela entre todos os blocos de custo de energia especialmente de clientes comerciais.  

Esses projetos hoje possuem viabilidade e, dependendo da concessionária e do perfil de consumo, são capazes de gerar uma economia total na conta de luz na faixa de 30% a 35%, mesmo para consumidores livres. 

Então, certamente, Nordeste e Norte são regiões prioritárias para isso e as medidas propostas na MP 1300 seriam relevantes para esse segmento do mercado. 

Quais medidas?  

A MP 1300 estendeu, de um lado, a ampliação da tarifa social. E a contrapartida proposta naquela MP é o fim do subsídio sobre a energia incentivada para o consumidor [que passará a pagar mais pela rede e poderá ter mais vantagem na instalação do BESS]. E acho importante lembrar que atualmente todos nós consumidores do mercado cativo, efetivamente estamos bancando um subsídio em benefício de grandes consumidores. 

Acho que existe uma lógica econômica que sugere que esses subsídios de fato poderiam ser aposentados sem prejudicar esses consumidores. Como eu disse, não afeta diretamente a parte da geração. 

No especial da pv magazine Brasil com fornecedores de baterias, temos visto com frequência a menção à planos para trazer a montagem ou fabricação de sistemas de armazenamento para o país. Como o Brasil pode atrair essa cadeia produtiva e em que condições ela poderia ser competitiva? Qual é a posição da ABSAE sobre uma política industrial para o armazenamento no país? 

Minha percepção é no mercado há uma convergência tecnológica. Efetivamente, a maioria dos projetos de armazenamento estacionário está sendo realizada com baterias com células de lítio ferro fosfato. A gente sabe que tem outras tecnologias, mas para aplicações estacionárias, o LFP está se estabelecendo como tecnologia predominante. 

Sabemos que células de sódio poderiam ser interessantes em algum momento, mas hoje, quando a gente olha a equação de menor custo por kilowatt-hora de capacidade ao longo da vida útil, as células LFP estão na frente.  

E essa é uma cadeia de suprimentos muito globalizada e muito competitiva. 

Lembrando que a gente tem hoje a nível global uma sobreoferta de capacidade fabril de células de íons de lítio, especialmente de LFP. Então, tanto o segmento de mobilidade elétrica e estacionária, embora estejam ambos crescendo muito, não conseguem absorver aquilo que o parque fabril consegue produzir.  

E, especialmente a parte dos blocos de bateria virou commodity. É claro que são produtos de alta tecnologia, mas a gente percebe é uma padronização muito grande. Para aplicações de grande escala, todo mundo oferece soluções a partir de do LFP em containers de 20 ou de 30 pés, com capacidade entre 6 a 15 MW horas. Todo mundo com refrigeração líquida, ou seja, todas as características técnicas estão sendo bastante homogêneas.  

E aí a gente se pergunta como seria a criação de uma cadeia produtiva que envolve a agregação de valor do Brasil, mas a partir da racionalidade econômica e de critérios de competitividade. E esses oportunidades sem dúvida existem. Porque o sistema de armazenamento é muito mais do que um bloco de baterias. 

Embora a parte da bateria represente uns 60% de custo, temos todos os componentes de eletrônica de potência, os inversores, conversores. Temos os sistemas auxiliares que garantem a operação segura desses BESS. 

O que já está acontecendo hoje é que fabricantes nacionais, como por exemplo a WEG e Moura, estão fazendo uma integração do sistema de componentes que, em alguns casos, vem de fora.  

Isso tem vantagens na flexibilidade pela qual você consegue atender uma demanda de mercado, especialmente para essas aplicações atrás do medidor. A gente precisa soluções altamente modulares, porque cada projeto é diferente.  

Então há uma lógica para fazer essas últimas etapas de integração aqui, por questões de logística, de gestão de estoque e também de tropicalização. 

A primeira etapa é integração de sistemas. Uma segunda etapa seria efetivamente a montagem dos gabinetes de bateria a partir de células. 

Ou seja, a gente traz células de fora, daquela cadeia global mega competitiva e a gente monta também os próprios módulos e gabinetes de baterias localmente. Isso hoje já acontece para mobilidade elétrica. 

Se você for visitar as fábricas da WEG e da Moura, você vai encontrar lá a linha de montagem de módulos de bateria para mobilidade elétrica para ônibus e caminhões. E essa mesma lógica pode ser expandida para fabricação de soluções estacionárias. 

Tendo demanda, o mercado vai se se organizar. A gente também tem defendido isso em reuniões com o MDIC. 

Como incentivar essa demanda? 

A demanda para essas soluções a gente estimula via contratações de serviços públicos. Claro, com mérito econômico e técnico, ninguém quer um leilão subsidiado. Isso vai ser outro estudo que a gente vai publicar em breve, porque o custo global, em comparação a térmica, é significativamente menor.  

E o outro ponto para incentivar a demanda são as tarifas de energia que revelam a real escassez ou abundância para o consumidor final. 

A gente percebe que em todos os mercados que hoje fazem uso dessa tecnologia, a inserção sempre foi a partir de critério de racionalidade econômica ou técnica. O Texas por exemplo tem variações de preço muito altos que justificam a inserção do armazenamento.  

A Califórnia estabeleceu requisitos, diante de uma crescente geração variável intermitente, para essa tecnologia [de armazenamento] por uma questão de segurança energética. Isso puxa o mercado e automaticamente. A cadeia local vai se estabilizar e vai se vai se estruturar para atender essa demanda. 

Gostaria de acrescentar algum comentário sobre esses temas? 

A mensagem principal é que a competitividade da tecnologia fica cada vez mais evidente. Não estamos falando de uma inserção do armazenamento a base de subsídios, estamos falando de critérios de racionalidade técnica e econômica. Acho que isso é o primeiro ponto. 

Segundo ponto, em nenhum país a introdução dessa tecnologia aconteceu do nada, você sempre precisa de condições específicas. E de duas uma, ou você cria um sinal econômico, ou você tem políticas públicas específicas que levem a contratação. 

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