“Delírio regulatório da Aneel sobre inversão de fluxo gerou prejuízo imenso ao setor solar”, afirma deputado Lafayette de Andrada

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A geração distribuída (GD) no Brasil está em um momento crucial, com um debate acalorado sobre o impacto da inversão de fluxo a partir da fonte fotovoltaica na rede elétrica. A audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados debateu nesta terça-feira (06/05) a inversão de fluxo e os impactos na geração distribuída no sistema elétrico. O tema tem gerado uma série de debates entre parlamentares, associações e especialistas ao longo dos últimos dois anos acerca da Resolução 1.059/2023 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a atuação das distribuidoras de energia elétrica.

Para Lafayette de Andrada (Republicanos/MG), deputado federal e presidente da comissão, ainda faltam dados que comprovem se a geração distribuída causa sobrecarga elétrica e justifica o bloqueio de novos projetos.

Lafayette afirmou que “a Aneel inventou um demônio chamado fluxo reverso, que não existe na prática. Criou um delírio regulatório que causou prejuízo imenso ao setor solar”. Segundo o parlamentar, a Resolução 1.059/2023 permitiu que distribuidoras negassem pedidos de conexão de novos sistemas, mesmo de pequena escala, como casas com 2 kW, sob a alegação de risco à rede.

Outro ponto levantado foi a falta de transparência por parte da Aneel, que, segundo o deputado, não apresentou estudos técnicos que justificassem o bloqueio de conexões. “Me entregaram um calhamaço com 20 páginas sem qualquer dado relevante”, afirmou.

Curtailment na geração centralizada é reflexo da GD, diz ONS

Fernando Silva, gerente executivo de planejamento do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), destacou que a expansão acelerada da GD, especialmente solar, impõe desafios técnicos reais ao sistema elétrico, sobretudo em estados com alta concentração de painéis fotovoltaicos. Como a GD não é controlada pelo ONS, seu crescimento dificulta o planejamento e obriga o operador a reduzir a geração centralizada em momentos de excesso de oferta, o chamado curtailment.

“O sistema precisa estar preparado para contingências, e a geração distribuída impacta essa capacidade”, explicou. Ele defendeu que a solução passa por tornar a GD mais controlável e visível ao operador, com investimentos em tecnologia e regulação que permitam seu monitoramento em tempo real.

Parlamentares denunciam obstáculos ilegais à GD

Bárbara Rubim, da Absolar e Hewerton Marins, presidente do Movimento Solar Livre.

Imagem: Reprodução da audiência na Câmara dos Deputados

A vice-presidente para GD da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Bárbara Rubim, também fez críticas ao atual cenário regulatório. Para ela, a interpretação da Aneel sobre a inversão de fluxo tem sido usada como desculpa para negar o direito garantido pela Lei 14.300/2022 de gerar a própria energia. “Não há provas de que a GD cause danos à rede. O que existe é a tentativa de dificultar sua expansão”, afirmou.

Rubim denunciou que mais de 70% dos pedidos de conexão estão sendo recusados, segundo levantamento informal com empresas do setor. Ela alertou para o impacto social da paralisação: em Minas Gerais, mais de 1.200 empresas do setor solar já encerraram atividades, com a perda de 12 mil empregos.

A vice-presidente da Absolar cobrou mais transparência das distribuidoras e da Aneel. “Não há dados públicos sobre os projetos negados. Isso fere o princípio da publicidade e impede o controle social da política energética”, argumentou Rubim.

Aneel se defende e diz que regula com equilíbrio

Já o gerente da Aneel, Pedro Lombardi, afirmou que a agência atua para garantir o acesso à rede sem comprometer a segurança do sistema elétrico. Ele destacou que a inversão de fluxo é uma realidade mundial e a Resolução 1.098 foi elaborada justamente para equilibrar os interesses de consumidores e distribuidoras, protegendo os pequenos geradores.

“A Aneel criou o ambiente para a geração distribuída antes mesmo da lei. Temos mais de 3 milhões de unidades com GD conectada. O objetivo é garantir a sustentabilidade do setor, não o bloquear”, afirmou Lombardi. Ele reforçou que a agência está aberta ao diálogo com o Congresso e acompanha as discussões internacionais sobre o tema.

Representantes do setor solar apontam retrocessos

O presidente do Movimento Solar Livre (MSL), Hewerton Martins, criticou duramente as novas regras da Aneel, em especial o modelo “Fast Track”, que segundo ele favorece grandes empresas em detrimento dos pequenos consumidores, além de ter acabado com o setor em Minas Gerais.

Martins reforçou que a energia solar não ameaça o sistema, mas contribui com segurança energética e redução de apagões. O presidente do MSL questionou a necessidade de o consumidor adquirir baterias para injetar energia à noite, prática que, segundo ele, não está prevista em lei. Ele também criticou a falta de acesso à energia solar para pequenos empreendedores, como donos de padarias e mercearias, que não conseguem atender aos requisitos da Aneel. Segundo ele, as distribuidoras estão cobrando um “aluguel do fio” sem oferecer um serviço adequado.

Distribuidoras pedem cautela

O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), Marcos Madureira, afirmou que a entidade não é contra a GD, mas que a inversão de fluxo representa sim um desafio técnico. “É preciso buscar soluções conjuntas. A rede foi construída para operar com fluxo unidirecional, e agora precisa se adaptar”, disse.

Segundo Madureira, a transição exige investimentos e planejamento, e o debate deve se dar com base técnica, e não em disputas ideológicas. Ainda assim, admitiu que o setor precisa de maior coordenação entre governo, Aneel, ONS, distribuidoras e agentes da GD.

ABGD rebate e cobra ação do Congresso

Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), afirmou que o discurso técnico tem sido usado como justificativa para barrar o avanço da GD. Ele declarou que problema é político, não técnico, e defendeu que o Congresso precisa intervir para assegurar o cumprimento da Lei 14.300 e impedir abusos por parte das distribuidoras.

Evangelista também desmentiu que a GD não pague pelo uso da rede. “O consumidor paga a tarifa e, muitas vezes, ainda investe em reforço na infraestrutura. O que falta é vontade das distribuidoras”, concluiu.

Audiência termina com apelo por menos resistência das distribuidoras

O encerramento da audiência pública escancarou um sentimento recorrente entre os empreendedores de geração distribuída: a má vontade das distribuidoras em viabilizar o avanço do setor. Mesmo quando há previsão clara na regulação para a realização de estudos técnicos, como os que tratam de possíveis perturbações na rede, muitos apontam que as concessionárias se omitem ou ignoram essas exigências, agindo sem transparência e dificultando o processo de conexão de novos sistemas.

Andrada reforçou que é preciso virar a página. “Existem falhas regulatórias, sim, mas também há má vontade. E isso precisa ser superado”. A mensagem final foi clara: não faltam soluções técnicas e regulatórias, falta vontade política e compromisso com o desenvolvimento do setor.

Para resolver a questão, o deputado sugeriu que todos os presentes façam o jogo do ganha-ganha. “Trata-se dar as mãos, encontrarmos soluções positivas que sejam boas para o país, boa para o consumidor, boa para o empreendedor e que não prejudiquem as distribuidora e essas soluções existem”, finalizou.

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