A Conferência do Clima da ONU em Belém confirmou e ampliou importantes metas de transição energética e de financiamento para soluções climáticas. Para além das pautas mais abrangentes, a COP30 também foi palco de marcos para o setor fotovoltaico, com o lançamento de uma campanha do Global Solar Council pela ampliação dos telhados solares no mundo, de 70 milhões atualmente, para 300 milhões até 2030.
“Ou seja, seria quadruplicar o volume atual, um objetivo mais ambicioso do que a meta de triplicar as renováveis até 2030”, disse à pv magazine o chair do GSC e presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia. “A campanha busca aproximar a tecnologia da sociedade: pessoas, pequenos negócios, produtores rurais e prédios públicos. Claro, sem abrir mão das grandes usinas, que continuarão sendo necessárias para atender novos usos industriais”.
A versatilidade da fonte fotovoltaica para atender diversos perfis de demanda mencionada por Sauaia foi destacada no relatório “PV+ and Opportunities for South-South Cooperation: Solar Energy Use for Sustainable Development”, também lançado durante a COP30 pelo Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais, em parceria com a Associação Chinesa de Indústrias Renováveis e o GSC.
O relatório caracteriza sistemas “PV Plus” pela implantação descentralizada e consumo localizado, similar aos sistemas fotovoltaicos distribuídos convencionais, mas priorizando a integração da geração de energia FV estreitamente com os perfis de carga específicos do usuário. Por meio da adaptação tecnológica e aplicações personalizadas, os sistemas PV Plus facilitam sinergias em todo o setor energético e em domínios intersetoriais, como agricultura, aquicultura, manufatura, construção civil, transporte e comunidades. “Esta abordagem permite a otimização dos benefícios econômicos, ambientais e sociais, ao mesmo tempo que promove transições energéticas inclusivas”, diz o relatório, que também destaca a oportunidade aberta pela queda de custos da tecnologia de armazenamento.
O documento avalia que a fonte solar pode contribuir para diversos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável — especialmente o ODS 7 “Energia Acessível e Limpa” e do ODS 13 “Ação Climática” mas também:
- Cria oportunidades de emprego distribuídas, com 7 milhões de pessoas já empregadas em todo o mundo (quase todas na instalação; muito poucas na fabricação) e ajuda a impulsionar os setores industrial e agrícola (ODS 8 “Trabalho decente e crescimento econômico” e ODS 9 “Indústria, Inovação e Infraestrutura”);
- Possibilita atividades geradoras de renda por meio do acesso descentralizado à energia (ODS 1 “Redução da pobreza”);
- Empodera mulheres com empregos locais em energia limpa e elimina a necessidade de coleta de lenha ou o uso de fogões poluentes, atividades geralmente realizadas por mulheres (ODS 5 “Empoderamento feminino”);
- Aprimora a equidade energética por meio do fornecimento de eletricidade para populações carentes através de sistemas fora da rede, impulsionando transições energéticas justas (ODS 10 “Redução da desigualdade”);
- E fornece energia para escolas, clínicas e sistemas de purificação de água, melhorando assim o saneamento e a iluminação, e aumentando o número de horas em que a tecnologia está disponível para o aprendizado (ODS 6 “Agua potável” e ODS 4 “Educação”).
- Em aplicações como agrovoltaica e solar flutuante, a energia solar também contribui para reduzir a necessidade de irrigação e aumentar a produção agrícola, além de reduzir a vaporização da água em reservatórios e indiretamente contribuir para melhorar a qualidade do abastecimento (ODS 2 “Fome Zero” e ODS 6 “Água limpa e Saneamento”);
- Quando usada para substituir geradores a diesel, a fonte contribui para a melhora da qualidade do ar de populações locais (ODS 3 “Saúde e Bem Estar”).
Confirmação e ampliação de ambições
Presente em diversas discussões durante a COP30, tanto representando o Global Solar Council quanto apresentando o caso de sucesso da expansão fotovoltaica no Brasil na última década pela Absolar, Sauaia fez um balanço positivo do evento.
Ele destacou a reafirmação da meta de triplicar as renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030, o reforço do pledge de redes e armazenamento para a construção ou reforma de 25 mil km de linhas de transmissão e a adição de 1.500 GW de capacidade de armazenamento até 2030. O Brasil é signatário de ambos os pledges.
“Os dois pledges precisam caminhar juntos. O crescimento das renováveis está gerando novos desafios — como a saturação de redes em vários países e cortes de geração, não apenas no Brasil. Para expandir renováveis, é essencial fortalecer redes e ampliar o armazenamento. A necessidade exata varia país a país, de acordo com a matriz e as características locais. Este ano, na COP 30, tivemos mais adesões de países e uma renovação desse compromisso.”.
Outro ponto importante foi o aumento do compromisso de financiamento climático de US$ 300 bilhões por ano até 2030 para US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.
“Na COP 30, graças a um esforço grande do governo brasileiro, conseguimos triplicar esse valor. É um avanço, mas ainda insuficiente. Para chegar lá [objetivo de limitar o aquecimento global do Acordo de Paris] seria necessário multiplicar por quatro e meio, não apenas por três”, disse Sauaia.
O executivo alerta sobre a importância da implementação das metas. “De nada adianta ter um compromisso bonito no papel se isso não virar ação concreta — políticas públicas, medidas governamentais, atuação de financiadores multilaterais, bancos de desenvolvimento e instituições privadas. Agora é criar e aprimorar os mecanismos, fundos e caminhos do dinheiro”.
O “elefante preto na sala”
Apesar de reconhecer os avanços, Sauaia destacou como ponto negativo falta de uma menção nos acordos finais da COP30 de uma rota para que o mundo deixe de ser dependente de combustíveis fósseis.
“Precisamos falar sobre o ‘elefante preto na sala’: óleo, gás e carvão. Segundo o IPCC, cerca de 70% das emissões vêm da queima de combustíveis fósseis. Não dá para evitar os piores impactos do aquecimento global sem enfrentar essa questão. Temos um orçamento de carbono limitado, em gigatoneladas de CO₂ equivalente, e estamos emitindo muito mais do que a atmosfera consegue absorver”.
Para não ultrapassar esse orçamento, avalia, só há duas opções: parar de emitir — como quem para de sacar dinheiro da conta — ou capturar carbono, como quem faz novos depósitos, por meio de reflorestamento e outras medidas.
“Se não reduzirmos a queima de fósseis, todas as outras ações serão em vão. Mesmo com mais renováveis, ultrapassaremos o orçamento climático e a temperatura subirá 1,5°C, 2°C, 2,5°C, trazendo impactos graves para vidas, economias e sociedades”.
Sauaia avalia que o Brasil fez bem em trazer o tema para a conferência de Belém, como resposta a uma expectativa popular global. “Aproximadamente 80 países aderiram à proposta brasileira de construir um roadmap — estabelecer prazos, responsabilidades e compromissos. Mas é um tema difícil, com muitos interesses econômicos e geopolíticos envolvidos. Isso gerou frustração, porque a sociedade esperava um compromisso mais concreto”.
O fato é que existem alternativas competitivas para atender a demanda que deixaria de ser atendida pela saída dos combustíveis fósseis, avalia Sauaia.
“Um compromisso de phase-out levaria à substituição dessa geração por opções não emissoras. As renováveis, especialmente a solar, estão muito bem posicionadas: são competitivas, confiáveis e locais. Elas poderiam atender grande parte dessa demanda. Outras fontes entram conforme a realidade de cada país e tipo de consumo: eletrificação, hidrogênio verde, biocombustíveis e até nuclear. E mais: muitas tecnologias já são mais competitivas do que os fósseis — como solar + bateria substituindo geradores a diesel, ou grandes usinas renováveis mais baratas do que termelétricas existentes”.
Transição energética justa e inclusão
O termo “transição energética justa” entrou de vez no vocabulário das discussões climáticas, incluindo a COP30. Entretanto, Sauaia alerta que o termo não deve servir para postergar a saída dos fósseis. Uma transição justa, para ele, implica capacitar trabalhadores e permitir que setores inteiros migrem para atividades sustentáveis. “Muitas funções são transferíveis entre diferentes segmentos da indústria energética, e o restante depende de formação técnica e atualização curricular”.
Ele destacou que energia solar também possui papel central no combate à exclusão energética. Tecnologias solares associadas a telecomunicação via satélite podem levar eletricidade e internet a regiões hoje isoladas, ampliando acesso à educação e serviços básicos. Micro e minirredes, além de sistemas que substituem geradores a diesel, que são caminhos para a descarbonização da Amazônia, cuja matriz ainda é majoritariamente fóssil.
Sobre o futuro da matriz elétrica, Sauaia lembra que a própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já estudou cenários de 100% renováveis até 2050. Vários países — entre eles Alemanha, Estados Unidos, Chile e Reino Unido — formalizaram metas de matrizes totalmente limpas. Embora o Brasil já tenha chegado a cerca de 92% de eletricidade renovável no ano passado, esse percentual está estagnado há mais de uma década. Para ele, metas oficiais dariam mais clareza aos investidores e ajudariam a manter a competitividade do país.
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