O primeiro Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) dedicado exclusivamente a sistemas de armazenamento em baterias (BESS), previsto para abril de 2026, gera grande expectativa no mercado, assim como um elevado grau de incerteza. Segundo o advogado Alexandre Leite, sócio da área de energia do Dias Carneiro Advogados, o leilão pode ser visto como um “aperitivo” para a introdução das baterias na operação do sistema brasileiro, mas ainda esbarra em dúvidas jurídicas, regulatórias e operacionais e pode não trazer a demanda esperada pelo setor.
Ao mesmo tempo, um ponto crítico preocupa agentes e investidores: a possibilidade de que o LRCAP anterior — voltado para térmicas e hidrelétricas — acabe absorvendo a maior parte da demanda de potência que, na prática, deveria ser dividida entre os dois leilões.
Risco de o primeiro LRCAP consumir toda a demanda
Para Leite, é real a chance de o leilão de térmicas e hidrelétricas “tomar boa parte da demanda”. O certame deve atrair forte concorrência, sobretudo por soluções de flexibilidade, hoje mais urgentes do que energia adicional.
O setor chegou a defender a realização de um leilão conjunto, com baterias competindo diretamente com térmicas, seguindo o princípio de neutralidade tecnológica. Mas, sem um marco regulatório maduro para armazenamento, MME, ONS e Aneel optaram por separar os certames, evitando que baterias concorressem sem regras completamente definidas.
Ainda assim, o efeito indireto existe: quanto maior for a contratação no leilão de térmicas e hidrelétricas, menor pode ser o espaço para os 2 GW de potência esperados para o leilão de baterias.
A contratação estimada de cerca de 2 GW / 8 GWh é considerada possível, mas depende do quanto o primeiro leilão de térmicas absorverá.
Leite ressalta que ainda não se conhece plenamente o potencial das baterias no país e que o mercado deve evoluir rápido com a chegada de data centers e novas aplicações em geração distribuída.
Apesar das incertezas, Leite vê forte interesse dos agentes: “A expectativa é muito alta. Temos fundos, empresas do setor elétrico, players de eletrificação e fornecedores de bateria preparados.”
Regulação fragmentada
A expectativa e a mobilização de projetos para participar do leilão enfrentam, por outro lado, um cenário ainda indefinido da regulação para armazenamento, com frentes de discussão fragmentadas. Segundo Leite, a lei passou por cima discussões que estavam em curso no MME e na Aneel — e agora tudo que vinha sendo discutido precisa ser encaixado no texto aprovado pelo Congresso. Ele vê risco de judicialização, sobretudo porque o setor elétrico já opera no limite da complexidade regulatória.
Um dos principais pontos de atenção do novo marco legal do setor elétrico para o segmento de armazenamento em baterias é o dispositivo que determina que o custo da energia de reserva fornecida pelas baterias será rateado exclusivamente entre geradores — algo que não vale para térmicas e hidrelétricas.

Para Leite, a lógica parte de uma leitura equivocada de que o armazenamento serve principalmente para reduzir corte de geração renovável. “A energia de reserva das baterias não é contratada para resolver corte, e sim para fornecer potência. O sistema inteiro se beneficia.”
A medida, diz ele, surgiu em um contexto político de esforço para evitar aumentos tarifários, mas cria distorções e deve gerar debates intensos nos próximos meses, em um ano eleitoral.
Outro ponto trazido Lei 15.269 que impacta projetos de armazenamento mas ainda depende de definições regulatórias é a inclusão de baterias no REIDI e isenção de imposto de importação, sujeitos à regulamentação da Receita Federal. Leite avalia que os benefícios fiscais podem estar validados a tempo do leilão, embora o período eleitoral torne tudo mais imprevisível.
Como o Brasil praticamente não arrecada hoje com baterias, a desoneração não implica perda fiscal, apenas estímulo ao mercado.
Acesso à rede e sinal locacional
Na Aneel, a discussão regulatória em curso inclui um ponto que o advogado considera decisivo para a viabilidade dos projetos que pretendem competir no leilão, a definição de como as baterias pagarão pelo uso da rede — se como consumidor, como gerador, ou ambos.
“A solução proposta hoje, de cobrar como gerador e como consumidor dependendo do caso, é ruim. O armazenamento é uma atividade distinta”, afirma. Para ele, esse é um tema que pode inviabilizar projetos, mais até do que regras específicas do leilão.
A Lei 15.269, porém, abre caminho ao permitir que a Aneel regule armazenamento como atividade própria — algo que antes não tinha base legal clara. Essa mudança deve destravar parte das discussões paralisadas na agência.
Outra regra relevante é o sinal locacional, que bonifica projetos instalados em áreas críticas do sistema — regiões com cortes de geração, excesso de oferta ou restrição de transmissão. Baterias em locais sem gargalos tendem a receber um Pagamento pelo Desempenho (PID) menor.
Justamente pelo momento de dificuldade no acesso à rede, a tendência é que a maioria das propostas no leilão venha associada a plantas existentes, especialmente renováveis, porque esses projetos já dispõem de conexão ao grid, avalia Leite. Já os sistemas stand-alone enfrentarão maior dificuldade para disputar acesso à rede.
Um leilão que será “o primeiro passo”
Para o advogado, o primeiro LRCAP de baterias deve ser entendido como o início da curva de aprendizado do setor elétrico brasileiro com armazenamento. Ao mesmo tempo, o desempenho do leilão e sua atratividade dependerão diretamente da capacidade do governo e dos reguladores de destravar as pendências mais urgentes.
Entre elas o modelo de tarifação da rede, a regulamentação pós-Lei 15.269, a definição sobre receitas acessórias, a coordenação entre MME, ONS e Aneel, a clareza sobre o rateio dos custos e a estabilidade jurídica. “O armazenamento é um daqueles temas que mostram a complexidade do setor elétrico brasileiro”, resume.
O resultado dessa equação — e o impacto do leilão de térmicas sobre a demanda — definirá o espaço real das baterias na concorrência prevista para abril de 2026, avalia.
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