Cortes de geração centralizada e de geração distribuída em debate na comissão mista da MP 1.304

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Os cortes cada vez mais frequentes de geração renovável e a possível inclusão da geração distribuída no rateio do curtailment foram discutidos em reunião da Comissão Mista que analisa a MP 1.304, realizada na quarta-feira (15/10). Nesta semana, a Aneel sinalizou que as distribuidoras podem cortar a carga de usinas de geração distribuída por necessidade do sistema.

A MP, que cria o Encargo de Complemento de Recursos (ECR), vigente até o dia 07/11/2025, também recebeu emendas sobre diversos temas relacionados ao setor elétrico e é vista como oportunidade para que segmentos distintos defendam suas pautas. A Comissão Mista que analisa a MP, integrada por dois ex-ministros de Minas e Energia, o senador Eduardo Braga e o deputado Fernando Coelho Filho, ouve nesta semana diversas associações e interessados na pauta, com visões frequentemente antagônicas.

Na audiência de quarta-feira, a Associação Brasileira dos produtores Independentes de Energia Elétrica (APINE), que inclui geradores eólicos e solares centralizadas, defendeu o corte contábil ou comercial da geração distribuída, que seria “um modelo mais equilibrado” para lidar com os crescentes cortes de geração renovável.

O presidente da associação, Rui Altieri, citou que o corte médio de geração renovável chegou a 25% em setembro. E a projeção para 2029 é que 84% das horas diurnas terão cortes. Segundo a mesma projeção, se não houvesse MMGD, os cortes cairiam 83%, de 22,7 GW médios para 3,8 GW médios em 2029. Com MMGD participando do rateio, os cortes cairiam 41%.

Curtailment por motivo elétrico ocorre por indisponibilidade de transmissão ou decisão do ONS; por motivo energético, quando a demanda no sistema é menor que a geração, associado à geração distribuída. Considera potencial de geração eólica e solar. Fonte: ONS.

Altieri destacou que a participação no curtailment não precisaria ser física, dado o desafio de operar quase quatro milhões de unidades consumidoras.

“Nossa proposta é o rateio comercial, sem custo para o consumidor. O ONS calcula mensalmente o fator de corte. Ao publicar, a CCEE aplica essa fator em solar e eólica e as distribuidoras aplicam esse mesmo fator sobre GD em sua área de concessão”.

Grandes geradores vs pequenos prosumidores

Altieri argumentou que a própria Lei 14.300 caracteriza o titular de unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída como um consumidor-gerador. “Quando atua como um gerador, deve ter os mesmos deveres de um gerador”. Para a Apine, ao injetar energia na rede, a MMGD impacta a operação do sistema e portanto deveria participar proporcionalmente do rateio dos efeitos sistêmicos.

O presidente da Apine foi contraposto pela vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Barbara Rubim, que questionou a equivalência proposta entre grandes geradores e pequenos consumidores que decidiram investir em sistemas próprios de geração respondendo a incentivos criados pelo governo.

“Querer comparar esse consumidor de telhado com um investidor institucional para fins de aplicação de cortes de curtailment, como foi proposto pelo Rui, com todo respeito, está muito longe de ser uma política de equidade e de justiça tarifária”, disse. “Esses consumidores que investiram na própria energia acreditaram numa política pública que foi criada por essa Casa para fazer o seu investimento e eles não podem ser penalizados por ter respondido positivamente a uma política que foi criada pelo Estado e pelo governo ao longo dos anos.”

Rubim defendeu que mudanças na regulação para a geração solar distribuída ameaçam mais de 30.000 microempresas espalhadas pelo Brasil, mais de 1,5 milhão de empregos e mais de 22 milhões de pessoas beneficiadas.

“É muito importante que qualquer alteração que a gente tenha dentro do nosso setor, envolva ela o curtailment, envolva novas estruturas tarifárias, respeitem os períodos de transição trazidos pela lei 14.300. Mudar as regras do jogo agora custa a nossa credibilidade enquanto país que diz colocar o consumidor no centro da transição energética.”

Além da proposta de rateio do curtailment apresentada na reunião, o texto da MP cria o Encargo de Complemento de Recursos (ECR), mecanismo acionado caso o teto de gastos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) seja ultrapassado esse encargo passaria a ser arcado por consumidores de GD II e III, que solicitaram conexão após a entrada em vigor da lei 14.300, e que tenham mais de 75 kW.

Outros países, como Alemanha, Espanha e Califórnia, cita a vice-presidente da Absolar, forçaram uma transição na micro e mini geração distribuída da noite para o dia e perderam 70% dos empregos gerados pelo setor solar, levando mais de 5 anos para serem recuperados quando os governos reverteram as políticas.

Apesar da contraposição à defesa pela participação da GD no rateio dos cortes, a Absolar defende que os geradores sejam integralmente ressarcidos pelos curtailment. A associação também representa grandes empresas de geração solar centralizada, que acumulam prejuízo de R$ 1,9 bilhão com os cortes de geração. “Nos últimos seis meses, a algumas plantas de energia solar foram cortadas entre 30 e 70% da sua capacidade de produção. Então, de fato, não existe empreendimento que consiga ficar de pé com cortes nesse patamar”, disse Barbara Rubim.

A vice-presidente da Absolar observou que o problema é agravado pelas lacunas e restrições da resolução 1.030 da ANEEL, que tornam apenas 10% desses cortes passíveis de restituição aos investidores. Ela entende que essa política da agência confronta diretamente a previsão da lei 10.848, que estabelece o ressarcimento integral dos cortes de geração sofridos pelos geradores via ESS.

Marco Legal do Armazenamento como parte da solução para o curtailment

Olhando novamente para exemplos internacionais, Barbara Rubim mencionou que é importante observar como outros países têm lidado com a questão do curtailment, especialmente no que diz respeito ao armazenamento de energia. Ela citou o Chile como exemplo, onde a política para lidar com o curtailment envolve a expansão do armazenamento. “Hoje 76% de todas as usinas solares desenvolvidas no Chile tem um sistema de armazenamento colocalizado.”

Nesse sentido, a Absolar, a Abeeólica, a ABGD e a ABSAE se uniram para construir uma proposta de um marco legal para o armazenamento, que poderia ser incorporado no relatório da MP, disse Rubim. Esse marco legal complementaria um trabalho de três anos de discussão com a ANEEL através da consulta pública 39. A ideia é criar o conceito de “agente armazenador”, que atualmente não existe, e evitar que o armazenador pague duplamente pelo uso da rede (como consumidor e como gerador). Além disso, permite a inclusão de investimentos em infraestrutura de armazenamento dentro das debêntures incentivadas.

Essa medida pode ajudar a desenvolver um novo mercado, de um lado, e a resolver gargalos de curtailment e de segurança energética, sinalizando para o consumidor a importância de investir em armazenamento para seus sistemas.

Também na quarta-feira (15/10), em comissão na Câmara dos Deputados, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, citou a contratação de baterias como solução para instabilidade no sistema causada pelo aumento da participação de fontes renováveis na matriz elétrica e anunciou que o governo planeja realizar um leilão para baterias ainda em 2025.

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