Curso básico para instaladores: Configuração do arranjo fotovoltaico com o inversor

Share

1.Introdução

Nos capítulos anteriores abordamos características de sistemas fotovoltaicos conectados à rede (SFCR) e o passo-a-passo na elaboração de um projeto solar. Depois conhecemos os módulos fotovoltaicos e o inversor, componentes principais do nosso sistema.

Chegou a hora de compreender como se configura um arranjo fotovoltaico com determinados módulos e o inversor escolhido e definir, chegando à conexão série-paralelo dos módulos.

Uma planilha que efetua os cálculos apresentados neste capítulo está disponível na mesma página do manual.

2.Visão Geral

Figura 1: O arranjo fotovoltaico é uma conexão série-paralela de módulos que precisa combinar com as características do inversor

Costumo chamar a configuração entre módulos e inversor de “casamento”, já que ela deve funcionar por muitos anos, em dias de sol e de chuva, e em horas de calor e de frio.

O casamento vai funcionar se os parâmetros elétricos de tensão, corrente e potência dos módulos e do inversor forem compatíveis, na conexão série-paralelo escolhida.

Como a tensão do módulo depende da temperatura das células devemos levar ainda em consideração o local da instalação com suas condições climáticas, e a ventilação dos módulos na condição em que serão instalados (paralelo ao telhado ou em fileiras elevadas). 

3.Temperaturas no Local da Instalação

Figura 2: Curva característica V-P em diferentes temperaturas, gerada no software PV*SOL

Aprendemos no capítulo 3 que a tensão produzida pelo módulo é fortemente afetada pela temperatura, com comportamento inverso: quanto maior o calor do módulo, menor é a tensão de saída. 

  • A faixa de temperatura do módulo em operação determina a faixa de tensão na saída do módulo VPMP. A temperatura máxima do módulo Tcélula,máx determina a menor tensão de saída do módulo em operação VPMP,mín. A literatura recomenda usar um valor 30°C a 40°C acima da máxima ambiental do local, dependendo da ventilação dos módulos e da ocorrência de vento no local.
  • A temperatura mínima da célula em operação Tcélula,mín determina a tensão VPMP,máx. É a temperatura que o módulo alcança com um pouco de irradiação. 
  • A terceira condição climática a ser considerada é a temperatura mínima do local da instalação Tambiente,mín. Ela causa a tensão máxima que o módulo produz, VOC,máx

O INPE oferece a busca por dados climáticos, mas geralmente prevalece o bom senso e a experiência na definição do trio das temperaturas. A tabela 1 lista valores que podem servir como referência.

Tabela 1: Valores referenciais para a escolha das temperaturas características:

4.Dados Características do Módulo

Para efetuar o cálculo, buscamos os seguintes dados na ficha técnica do módulo:

  • Potência nominal Pmód,nom;
  • Corrente de curto circuito Imód,SC;
  • Tensão PMP nominal Vmód,PMP;
  • Tensão em circuito aberto Vmód,OC;
  • Coeficiente da variação da tensão com a temperatura CoefV, comumente informado em % / °C ou % / K (observação: 1 K = 1 °C).

Em seguida calculamos as tensões derivadas das temperaturas no local da instalação. As tensões informadas na ficha técnica foram medidas nas condições STC, sob 25°C (veja capítulo 3). A seguinte fórmula aplica o coeficiente da variação da tensão e a diferença da temperatura:

Os valores derivados são:

  • Tensão máxima e circuito aberto Vmód,OC,máx 
  • Tensão mínima e máxima em operação Vmód,PMP,mín e Vmód,MP,máx (obs.: usando a fórmula chegamos a um valor aproximado para Vmód,PMP, já que o valor exato pode ser determinado somente com um software de simulação).

5.Dados Características do Inversor

Na ficha técnica do inversor escolhido buscamos os seguintes dados:

  • Potência nominal Pinv,nom;
  • Potência máxima Pinv,máx;
  • Corrente máxima Iinv,máx;
  • Corrente máxima tolerada Iinv,máx, SC;
  • Tensão máxima Vinv,máx;
  • Faixa de tensão de operação Vinv,PMP,mín e Vinv,PMP,máx.

O objetivo é calcular a combinação entre os módulos e o inversor, portanto devemos buscar os valores da entrada do inversor, em c.c.. No entanto, a potência nominal pode ser informada na seção c.c. ou c.a., dependendo do fabricante. 

6.O Cálculo do Arranjo Fotovoltaico

Figura 3: O layout do arranjo fotovoltaico é determinado respeitando os limites do inversor.

Depois de colher as informações básicas podemos agora mapear as características elétricas dos módulos com as do inversor escolhido. Objetivo é definir o arranjo fotovoltaico, que é a associação de n séries fotovoltaicas (usamos a seguir o nome inglês, string) em paralelo, cada com m módulos conectados em série (figura 3).

Importante: O arranjo precisa ser homogêneo, usando somente um modelo de módulo e o mesmo número de módulos em todos os strings. Casos onde isto não é possível serão analisados no próximo capítulo, que tratará também de sombreamento parcial.

Pelas leis ôhmicas, a tensão resultante de cada string é o produto do número de módulos m com a tensão de cada módulo. A corrente resultante do arranjo é o produto do número de strings n com a corrente de cada string. 

O mapeamento é feito por condições independentes que, depois, são reunidas.

A. Número máximo de módulos por string, pela tensão máxima do inversor

A primeira condição calcula o número máximo de módulos m por string que podemos conectar em série, respeitando a limitação do inversor. 

O número máximo de módulos por string Mmáx é igual à tensão máxima da entrada do inversor Vinv,máx, dividida pela tensão máxima do módulo em circuito aberto Vmod,OC,máx


B. Número máximo de módulos por string, pela tensão de operação

A segunda condição calcula, quantos módulos podemos conectar em série, considerando agora o limite de tensão de operação do inversor:

Esta condição é calculada independentemente de (A), mas como resultado deve valer o menor número dos dois, ainda arredondado para baixo.

C. Número mínimo de módulos por string, pela tensão de operação

O inversor exige um número mínimo de módulos para trabalhar, que é calculado dividindo a tensão mínima do inversor pela tensão mínima do módulo, ambos em condição de operação: 

O número resultante deve ser arredondado para cima.

D. Número máximo de strings 

O número máximo de strings conectados em paralelo é calculada dividindo a corrente máxima de entrada do inversor pela corrente gerada pelos módulos em condições padrão:


E. Número tolerado de strings 

Nos últimos anos, a corrente gerada pelos módulos cresceu numa velocidade que a engenharia dos inversores não conseguiu acompanhar devido ao ciclo maior de desenvolvimento.

Desta forma, ficou comum conectar módulos ao inversor com uma corrente levemente acima do limite. 

Muitos fabricantes de inversores se adaptaram à nova realidade informando uma corrente máxima tolerada ou então a corrente máxima de curto-circuito, que representa o limite de corrente que pode ser conectada ao inversor sem que ele apresente defeito. 

Usando a mesma fórmula de cima, aplicando o limite tolerado chegamos ao número de strings tolerados:

No entanto, toda corrente superior à corrente máxima será descartada, similar ao que acontece no efeito de clipping (veja Fator de Dimensionamento a seguir).

F. Potência máxima

O fabricante indica a potência máxima do arranjo fotovoltaico na ficha técnica, que determina número máximo total de módulos que devem ser conectados:

A potência máxima é correlacionada ao fator de dimensionamento, que discutiremos em seguida, e não representa uma restrição crítica. 

G. Fator de Dimensionamento

O Fator de Dimensionamento expressa a relação da potência entre o arranjo fotovoltaico e o inversor e costuma ser informado em porcento. 

É comum superdimensionar o arranjo, já que a potência nominal dos módulos raramente é alcançada em clima tropical. 

Um FDI entre 100% e 120% é considerado conservador. Um FDI mais alto traz a vantagem de reduzir o investimento, mas acarreta um corte de produção em horas de alta irradiância. 

A figura 4 mostra este efeito: o sistema com FDI de 158% (linha azul) perde energia quando a potência máxima do inversor é alcançada. Já o sistema com FDI de 119% raramente alcança a potência máxima.

Por outro lado, o sistema com alto FDI consegue gerar energia em horas e dias de menor irradiação: na figura 4, são as horas durante a manhã e à tarde. Leia mais na nossa matéria sobrecarregamento.solarize.com.br e assista aos webinares disponíveis no site. 

Um FDI abaixo de 100% é aceitável quando não se encontra um inversor menor com potência adequada, algo frequente em sistemas muito pequenos. 

7.Verificação de Alternativas

Depois de calcular as condições, podemos verificar alternativas do layout elétrico. Vamos usar um exemplo resumido para compreender este procedimento:

  • Pretendemos montar um sistema de 12 kWp, usando 24 módulos de 500 Wp de um determinado modelo;
  • Um inversor de 10 kW seria adequado, levando em consideração um FDI de 120%;
  • Usamos as fichas técnicas do módulo e do inversor para levantar os dados listados acima e calcular das condições listadas acima;
  • Com 24 módulos temos as seguintes alternativas de layout: 3 strings de 8 módulos, 4 strings de 6 módulos ou 2 strings de 12 módulos;
  • Testamos as alternativas contra as fórmulas apresentadas acima para determinar quais delas são permitidas.
  • Em termos elétricos, é favorável aumentar o número de módulos por string para manter a corrente baixa. No entanto pode haver outros critérios da execução que nos levam a priorizar uma alternativa diferente. 

Se nenhuma das alternativas for viável, então é necessário mudar a escolha do equipamento e refazer o cálculo. Isso ocorre com certa frequência com inversores que apresentam uma faixa estreita de tensão. 

Se um determinado inversor, por exemplo, permitir somente 19 ou 20 módulos por string, então o número total de módulos deve ser divisível por 19 ou 20, e a área de montagem deve permitir a fixação deste número de módulos.

8.Uso da Planilha

Disponibilizamos no nosso site uma planilha (figura 5, acesse aqui) que efetua os cálculos apresentados neste capítulo e que contém um exemplo completo. A planilha serve para configurar projetos reais, ela não é meramente didática. 

Ela deve ser preenchida na seguinte sequência:

  1. Local da instalação: temperaturas máximas e mínimas;
  2. Dados do módulo: preencha os campos em azul. Os campos em cinza apresentam resultados intermediários e os em verde, resultados finais;
  3. Dados do inversor: procure os dados na ficha técnica;
  4. Após preencher os dados acima, o quadro “Cálculo” já apresenta as condições de mapeamento, com números mínimos e máximos de módulos e strings;
  5. Fator de dimensionamento: informe aqui o limite inferior e superior da faixa tolerada e da faixa ideal;
  6. Verificação de alternativas: preenche os campos “Nº de strings” e “Nº módulos por string” e observe o campo “Verificação” à direita, que testa a alternativa contra as condições no quadro “Cálculo”

A planilha está com os campos todos abertos para que você possa verificar e, se for necessário, modificar as fórmulas. 

Ela segue o nosso padrão de coloração:

  • Preencha campos em azul;
  • Campos cinza mostram resultados intermediários;
  • Campos verde mostram resultados principais.
  • Outros tipos de inversores

Apresentamos o cálculo para a tipologia chamada de “inversor string”, com apenas uma entrada. Há outras opções, cuja discussão detalhada extrapola o espaço do capítulo:

  • Inversores múlti-MPPT oferecem mais do que uma entrada, cada uma com seu seguidor de ponto de máxima potência SPMP (inglês MPPT). Neste caso, o cálculo deve ser repetido para cada entrada separadamente, cujas características podem ser diferentes, e também para o inversor como um todo;
  • A configuração de Micro inversores, que atendem de um a quatro módulos, usa os mesmos cálculos apresentados acima;
  • Para sistemas com otimizadores de potência é necessário efetuar o cálculo para cada otimizador separadamente. Além disso, há regras para o número de otimizadores que podem ser conectados a cada entrada do inversor. Consulte a documentação do fabricante.

O primeiro capítulo do curso, Curso básico para instaladores: Fundamentos da energia fotovoltaica, está disponível neste link. O segundo, Curso básico para instaladores: o projeto do sistema fotovoltaico conectado à rede, está disponível aqui. O terceiro, Curso básico para instaladores: Tecnologia fotovoltaica e módulos, está disponível neste link. O quarto, Curso básico para instaladores: O inversor fotovoltaico, você pode baixá-lo neste link.

Hans Rauschmayer é um reconhecido especialista e pioneiro em energia solar no Brasil. Ele criou a grade educacional da Solarize Treinamentos Profissionais Ltda., da qual é sócio-gerente. Foi convidado a ministrar aulas em instituições como Sebrae e Senai, como também em diversas universidades e é frequente palestrante em eventos nacionais e internacionais.

A Solarize fez história quando conectou o primeiro sistema ongrid do Rio de Janeiro, com ampla repercussão na mídia. Ela oferece capacitação profissional desde 2008, consultoria e serviços de instalação. Além disso, trouxe para o Brasil a software PV*SOL para planejamento de projetos fotovoltaicos, que virou líder entre os integradores. Também atua em projetos sociais levando capacitação e geração de energia a comunidades carentes.

 

Os pontos de vista e opiniões expressos neste artigo são dos próprios autores, e não refletem necessariamente os defendidos pela pv magazine.

Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reutilizado. Se você deseja cooperar conosco e gostaria de reutilizar parte de nosso conteúdo, por favor entre em contato com: editors@pv-magazine.com.

Conteúdo popular

Carros elétricos aumentam o consumo de energia no Brasil
13 outubro 2025 Diante do crescimento, o Ministério de Minas e Energia planeja criar a Secretaria Nacional de Eletromobilidade. O licenciamento de VEs saltou de 1,9 m...