Ressarcir R$ 2,8 bilhões em cortes de geração renovável teria impacto tarifário inferior a 1% ao ano

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A Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado realizou audiência pública na terça-feira (30/09), sobre os impactos dos cortes de geração solar e eólica — que só em 2025 já chegam a 20% do potencial de geração — para consumidores e o setor elétrico em geral. Participaram representantes do governo e de associações do setor.

Segundo levantamento apresentado pelo Instituto Acende Brasil, os prejuízos com os cortes de geração acumulados de outubro de 2021 até agosto de 2025, se valorados pelo Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) do Mercado de Curto Prazo, é da ordem de R$ 3,85 bilhões.

A restrição da produção de energia — o curtailment ou constrained off — é o mecanismo usado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) quando há limites operacionais na rede elétrica ou outras razões externas que impedem a geração mesmo quando as usinas estão aptas a funcionar. Há três situações principais em que os cortes se enquadram: por confiabilidade elétrica, para manter a estabilidade do sistema; por indisponibilidade externa, quando a infraestrutura de transmissão é insuficiente; e por razão energética, quando a demanda é menor do que a geração. Essa última situação é em geral atribuída à micro e minigeração distribuída.

A maior parte dos cortes se concentra nos últimos 12 meses:

Fonte: Instituto Acende Brasil com base em dados do ONS.

Projeção de impacto na tarifa

Considerando apenas os cortes que ocorreram por indisponibilidade de transmissão ou por estabilidade da rede, o prejuízo a ser ressarcido  aos geradores seria de R$ 2,8 bilhões. Esse valor geraria um impacto tarifário de 0,84% para os consumidores, segundo o diretor Executivo do Instituto Acende Brasil, Eduardo Müller Monteiro. A proposta apresentada pelo executivo sugere diluir esse impacto em cinco parcelas anuais, o que levaria a um aumento de custo de 0,19% durante cinco anos, para compensar o prejuízo acumulado. Para o futuro, o impacto dos cortes de geração é estimado em 0,66% no próximo ano. Somando 0,19% com 0,66%, o impacto total para o consumidor seria de 0,85% de custo por ano durante cinco anos.

“O ressarcimento precisa acontecer porque esses empreendimentos estão em fases iniciais de operação, os financiamentos não estão sendo honrados, o BNDES está com uma fila de pedidos para postergação dos pagamentos dessas dívidas. Isso vai se tornar um risco sistêmico estrutural, que vai lá no final se traduzir em um risco que o consumidor vai ter que pagar, porque todo mundo vai incorporar nos seus novos empreendimentos um risco aumentado”, disse Monteiro.

Diretor-presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Rui Altieri afirmou que o curtailment gera impactos financeiros para todas as fontes de geração, desorganiza contratos, amplia encargos, cria incerteza para investidores e compromete a viabilidade financeira dos empreendimentos. Segundo ele, a repetição desses episódios reforça a urgência de ajustes regulatórios. Ele defendeu a revisão do modelo e o rateio dos cortes entre a população.

“Em 2025, o curtailment já ultrapassa 20% da energia produzida, consolidando-se como um problema estrutural. A Micro e Minigeração Distribuída [MMGD], sustentada por subsídios, cresce de forma desordenada, ampliando os cortes de geração em determinadas horas do dia. Isso provoca a necessidade de utilização de usinas térmicas em outras horas, quando não há sol, pressionando ainda mais os custos do sistema”, disse.

O presidente da comissão, Marcos Rogério, manifestou preocupação pelo prejuízo das empresas ser pago pela população. Segundo Marcos Rogério, existe uma mobilização de agentes do setor para que esses custos também passem a ser cobertos pelos Encargos de Serviços do Sistema (ESS), o que também representaria mais um repasse financeiro aos consumidores.

“Estamos diante de um cenário desafiador. Aquilo que parece ser vantagem hoje, me parece ser um problema a surgir mais à frente. Teremos que voltar ao assunto: [vamos] promover mais três ou quatro debates [na CI], com questionamentos técnicos […] para nos aprofundarmos no assunto”.

Para o representante da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, é “inaceitável” que os custos pelo corte de geração de energia sejam pagos pelos consumidores. Segundo o executivo, embora o Brasil tenha condição de repassar uma das menores tarifas no mundo, não é isso se observa na prática.

Os impactos da Micro e Minigeração Distribuída

O presidente do Instituto Nacional de Energia Limpa (INEL), Heber Galarce, disse que o que é chamado de crescimento desordenado da GD é na verdade um “grito silencioso de pessoas que querem uma alternativa à tarifa, que querem a liberdade de gerar energia”

“Então, quando a gente fala tecnicamente que o pessoal da MMGD cresceu desordenadamente, estamos falando de eleitores e cidadãos que não veem uma saída de um setor elétrico ineficiente, antigo e centralizado e, com seus próprios investimentos, procuram sair desse problema. A gente não pode chegar agora para essas pessoas e falar: ‘Vocês tentaram sair, mas agora vão voltar, porque nós fomos incapazes, incompetentes de fazer uma nova reforma no setor elétrico'”.

Ele defendeu que a GD não é culpada do curtailment por segurança elétrica e nem por restrições de transmissão, uma vez que ela está conectada na média e na baixa tensão. Por outro lado, reconheceu que GD sim modifica a curva de carga, o que pode levar a uma menor necessidade de energia na rede em certos momentos e aos cortes por razão energética. Para esse último caso, ele defende acelerar a políticas como a do Redata, para incentivar a atração de indústrias e setores eletrointensivos.

De fato, os casos de cortes por razão energética, têm aumentado nos últimos meses.

Fonte: Instituto Acende Brasil com base em dados do ONS.

Galarce propôs a criação de um grupo técnico emergencial, com prazo de 90 dias, para buscar consensos mínimos em torno de soluções estruturantes, como o avanço no armazenamento de energia, políticas de incentivo a baterias residenciais e a valorização de fontes como hídrica, nuclear e solar, de forma integrada.

Perda de controle do sistema

Além dá questão financeira, os crescentes cortes de geração também evidenciam um desafio físico do sistema elétrico. O diretor-geral do ONS, Márcio Rea, disse que a operação do Sistema Elétrico Nacional se tornou mais complexa nos últimos anos. O aumento de fontes de energia intermitentes, segundo ele, resultou em desafios como o excesso da oferta especialmente durante o dia, das 9h às 16h.

“Atualmente, o ONS não possui mecanismos técnico-regulatórios para fazer essa regulação, e a gente vê um cenário cada vez mais desafiador para o futuro. Projeções indicam que, até 2029, apenas 45% da capacidade instalada de geração do país estará sob coordenação do ONS. Esse cenário reforça a urgência de debates, buscando equilibrar responsabilidades e garantir a eficiência operacional”, explicou.

Assessor do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Julio César Rezende Ferraz apontou que o incentivo à geração eólica e solar, observado nos últimos anos, resultou em problemas financeiros. “Cerca de R$ 25 bilhões em incentivos, só em 2024, levaram a uma quantidade muito grande de geração incentivada, inclusive aquela de pequeno porte, instalada pelos próprios consumidores.” Segundo ele, alguns geradores que têm tido esses prejuízos defendem que os custos sejam repassados. Outro problema, disse, tem caráter técnico, já que essa oferta de energia intermitente não é controlável e impede a manutenção da segurança do sistema elétrico.

“Por duas vezes, só neste ano, o ONS chegou muito perto de perder a capacidade de controlar o sistema. Isso não se resolve única e exclusivamente com ‘discussões filosóficas’, mas as ‘discussões filosóficas’ são importantes para evitar que o problema se agrave.”

No dia dos pais (10/08) o ONS teve que adotar uma operação emergencial para lidar com o excesso de geração. Naquele momento, a MMGD respondia por 40% da carga. A geração hidrelétrica e termelétrica estavam no seu limite mínimo. Praticamente toda a geração eólica e solar centralizada foi cortada.

Fonte: Instituto Acende Brasil, com base em dados do ONS.

Segundo o diretor do Departamento de Políticas Setoriais do Ministério de Minas e Energia (MME), Frederico de Araújo Teles a pasta entende a necessidade de estudos de planejamento para a expansão da transmissão e informou que está em andamento uma licitação para instalação de compensadores na Região Nordeste, que deve resultar em diminuições nos cortes de fornecimento.

“Outras questões de planejamento devem ser resolvidas no começo de 2026: mais expansões a serem previstas no plano de outorgas, análise de mitigação de cortes e identificação de melhorias para expansão do sistema”, acrescentou.

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