Histórias de mulheres que encontraram na energia solar um recomeço

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A energia solar tem se consolidado como um dos pilares da transição energética no Brasil. O país se tornou referência global no crescimento da geração centralizada e distribuída. Mas, por trás dos números expressivos e das metas de descarbonização, existem trajetórias pessoais que revelam um aspecto igualmente transformador, o impacto humano e social que esse setor é capaz de gerar. Em um mercado historicamente masculino, a presença feminina ainda é minoria, representando menos de 20% dos profissionais, mas cresce de forma consistente, abrindo espaço para histórias de recomeço, superação e protagonismo. É nesse cenário que mulheres como Andreia Rodrigues Fernandes e Jessica Daniele Costa Vieira encontram não apenas uma profissão, mas uma nova forma de viver.

A história da Andreia mostra que não existe idade para começar um novo sonho.

“Sou empresária no ramo de energia solar fotovoltaica, conselheira de meio ambiente pela subprefeitura da Casa Verde [distrito do município de São Paulo], embaixadora pelo clima na secretária de mudanças climáticas da prefeitura de São Paulo e Instrutora pelo Senai e Occa Energia. Acredito que virada de chave não tem idade. Tenho 50 anos, sou instaladora de módulos solares fotovoltaicos e amo o setor operacional. Incentivo mulheres a trabalhar na área porque lá de cima nossa visão é bem melhor”.

Mas nem sempre foi assim. Andreia iniciou sua carreira na área de vendas, migrando para o setor administrativo, onde permaneceu por 15 anos. Começou a empreender aos 33, abrindo uma gráfica rápida com seu marido, em 1998. Em 2018, com a queda brusca no mercado de impressão e cópias, decidiu mudar de ramo. Com olhar empreendedor, migrou para a área de energia solar fotovoltaica, que ainda era uma novidade, atuando com instalação e manutenção residencial e comercial. Na empresa, sua função continuava sendo administrativa, até que um evento a motivou a iniciar um novo movimento profissional:

“Um dia, visitamos um cliente para iniciar uma parceria. Ele conversou com meu marido, que é engenheiro eletricista, e ficou entusiasmado com o conhecimento dele na área de energia renovável. No decorrer da conversa, me perguntou qual era meu papel na empresa. Eu respondi: “Sou do administrativo…”. Ele logo me interrompeu e disse: “Administração! Isso qualquer um faz, deixa eu falar sobre área técnica aqui com o engenheiro”. O cliente virou as costas para mim e eu me senti péssima, como se fosse algo a ser descartado. Segurei as lágrimas até acabar a reunião e fiquei em silêncio. Fui para casa indignada com a atitude grosseira e indelicada do cliente e, no final, meu marido não firmou parceria.”

Andreia conta que, nesse cenário, resolveu virar a chave e sair da zona de conforto. “Usei o sentimento de tristeza e tomei uma atitude: fui estudar”. Ela se matriculou no curso de Eletricista Instalador no Senai Roberto Simonsen no Brás, concluído ainda em 2018. Depois, iniciou o curso Técnico em Eletrotécnica e Energias Renováveis na ETEC Getulio Vargas, no Ipiranga, concluído em 2023. Em 2024, foi convidada a fazer parte da equipe de instrutores do Senai Cambuci, um projeto em parceria com a concessionária Enel, para capacitar mulheres em situação de vulnerabilidade, na função de instaladoras de módulos solares fotovoltaicos, que formou 60 mulheres para atuar no mercado operacional.

“Desde então, não parei mais, participei de diversos projetos sociais, como instrutora, mentora, palestrante. Como atuo na área de eficiência energética, fui eleita no conselho de meio ambiente da Subprefeitura da Casa Verde como Conselheira e faço parte do grupo gestor do parque Campo de Marte. Aos 50 anos, me matriculei na UNICID graduação Engenharia Ambiental, porque percebi a necessidade de aprofundar meus conhecimentos. “Uma mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”, já dizia Albert Einstein. Minha missão é incentivar a sociedade civil a virar a chave, se tornar protagonista de sua própria história, porque eu acredito que o conhecimento e educação transformam o ser humano e, somente assim, conseguiremos transformar o mundo.”

A história de Andreia mostra que a energia solar é mais do que um setor promissor da economia verde: é também um espaço de inclusão e reinvenção. O que poderia ter sido apenas um episódio de preconceito se transformou em combustível para uma jornada de aprendizado, crescimento e impacto social. Ao capacitar mulheres em situação de vulnerabilidade para se tornarem instaladoras, Andreia multiplica seu recomeço em dezenas de novas trajetórias, provando que diversidade e educação andam lado a lado com a sustentabilidade.

Outro exemplo dessa transformação é o de Jessica Daniele Costa Vieira, engenheira eletricista e Head de Novos Negócios na Sunlight Engenharia, que encontrou no setor solar a oportunidade de criar o seu próprio caminho quando o mercado tradicional lhe fechou as portas.

“Minha jornada na energia solar nasceu de um verdadeiro recomeço. Quando encontrei portas fechadas no mercado de trabalho tradicional, tomei a decisão de criar o meu próprio caminho. Empreender em um setor predominantemente masculino não foi simples: enfrentei dúvidas, inseguranças e o peso de ter que provar, dia após dia, que era capaz. Mas cada obstáculo se transformou em aprendizado, e cada projeto concluído, em um passo a mais na construção de uma trajetória sólida. Hoje, ao olhar para trás, percebo que a energia solar não apenas impulsionou minha carreira, ela me deu um propósito de vida: transformar energia em desenvolvimento sustentável. Liderar mais de 700 projetos é motivo de orgulho, mas o que realmente me inspira é saber que cada usina representa acesso, oportunidade e impacto positivo na vida de tantas pessoas. A energia solar me mostrou que recomeços são possíveis, que a força feminina é luz que abre caminhos e que, quando caminhamos em rede, conquistamos ainda mais. Compartilho essa história para que outras mulheres se reconheçam nela e entendam: é possível transformar desafios em potência e escrever novos capítulos de sucesso por meio da energia”.

Assim como Andreia, Jessica também desafiou estereótipos e transformou obstáculos em degraus para o crescimento. Ambas provam que a presença feminina é capaz de oxigenar o setor com novas perspectivas, gerar impacto social e inspirar outras mulheres a ocuparem telhados, escritórios e espaços de decisão.

Segundo o estudo da IRENA (Agência Internacional de Energias Renováveis) de 2025, as mulheres representam cerca de 32% da força de trabalho em energias renováveis no mundo, um número mais alto do que nos setores tradicionais de energia, mas ainda distante da
paridade. No Brasil, a estimativa é de que a participação seja ainda menor, reforçando a urgência de iniciativas de capacitação, redes de apoio e políticas inclusivas. Projetos como os que Andreia participa, formando instaladoras em parceria com o Senai e a Enel, são exemplos
práticos de como é possível transformar estatísticas em oportunidades reais.

A energia solar não ilumina apenas casas, comércios e indústrias. Ela ilumina trajetórias, dá visibilidade a talentos e abre portas para recomeços que muitas vezes pareciam improváveis. Andreia e Jessica são rostos dessa revolução silenciosa que está em curso no setor. Suas
histórias provam que, além de sustentável e economicamente viável, a energia solar é também humana, inclusiva e capaz de transformar vidas. E, talvez, essa seja a maior luz que ela nos oferece, a certeza de que, assim como o sol renasce todos os dias, nós também podemos
recomeçar.

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