O mercado de fusões e aquisições (M&A) de usinas fotovoltaicas tem apresentado desafios na avaliação precisa dos ativos solares. Dúvidas sobre a real performance das usinas geram incertezas em negociações, levando a resultados potencialmente injustos para compradores e vendedores. Durante webinar apresentado pelo pesquisador do Laboratório Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lucas Nascimento, e o CEO da Noris, Rafael Moret, a partir de um estudo realizado pela universidade, discutiram o tema, apontando caminhos para uma avaliação mais eficaz.
Um dos principais pontos de discórdia reside na interpretação dos indicadores P50 e P90. O P50 representa a energia esperada em 50% do tempo de operação (20 anos, por exemplo, significa atingir essa energia em 10 anos), enquanto o P90 garante a entrega da energia prometida em 90% do tempo (18 dos 20 anos). Bancos, geralmente, preferem o P90 por sua maior segurança. A diferença entre P50 e P90, influenciada pela variabilidade do recurso solar (que pode chegar a 6% em média para geração centralizada, segundo dados de 1.616 empreendimentos fotovoltaicos brasileiros), é crucial na avaliação. Uma incerteza maior na previsão do recurso solar resulta em uma diferença mais significativa entre P50 e P90, impactando diretamente o valor da usina.
Um campo em amadurecimento
“No Brasil, estamos nos especializando em diferentes temas, como sistemas isolados e sistemas conectados. O nosso grupo de pesquisa sempre foi muito dedicado à avaliação de desempenho e da qualidade das instalações fotovoltaicas. Isso envolve analisar como os sistemas estão operando em campo, identificar se funcionam adequadamente, detectar falhas e avaliar seus impactos no curto, médio e longo prazo”, explica Nascimento.
Segundo ele, o grupo já avaliou de forma independente quase 5 GW de usinas, considerando tanto GC (geração centralizada) quanto GD (geração distribuída). Esse trabalho inclui due diligence para projetos de EPCistas, desenvolvedores, donos de ativos e potenciais compradores.
Na GD, especialmente, os procedimentos de avaliação ainda estão em amadurecimento. Já na GC, os processos estão mais consolidados, com garantias contratuais e exigências bancárias mais rigorosas, o que eleva a régua, dado o volume de investimento.
Certificação, simulações e incertezas
Em projetos de GC, é necessário realizar certificações para habilitação em leilões ou obtenção de outorga. Essa certificação, feita por entidade independente, resulta basicamente em dois indicadores: a simulação de energia prevista e o desempenho esperado (PR).
“O recurso solar estimado é sempre um valor médio, mas existe uma oscilação natural entre anos de maior ou menor radiação. Essa variabilidade constitui uma incerteza intrínseca aos projetos”, diz Nascimento.
Além da variabilidade climática, somam-se incertezas ligadas às bases de dados, aos modelos de simulação e às premissas adotadas. Quando essas incertezas são subestimadas, o P90 acaba ficando muito próximo do P50, mascarando riscos.
Nas negociações, o embate é inevitável: vendedores defendem o P50 por valorizar o ativo, enquanto compradores e financiadores preferem o P90 ou até cenários mais conservadores.
O desafio das usinas em operação
Quando há histórico de geração, surgem novos dilemas. Períodos curtos, como 12 meses, podem distorcer análises, já que anos mais chuvosos ou mais ensolarados afetam o resultado.
Por isso, é fundamental corrigir P50 e P90 pela irradiância real, utilizando dados de satélite ou medições locais. Ainda assim, estudos indicam que metade das usinas de GC no Brasil tem desempenho até 10% abaixo de seus P50. Nos EUA, um estudo com 10 GW mostrou que apenas 14% atingiram seus P50s.
“Não basta perguntar se o projeto bateu ou não bateu o P50. Precisamos ir além e entender as causas. Nossa experiência mostra que a maioria dos ativos no Brasil trabalha com variações entre 5% e 10%, mas há casos extremos em que a discrepância chega a 20%”, ressalta Nascimento.
O papel do Performance Ratio (PR)
Para reduzir distorções, o Performance Ratio (PR) ou taxa de desempenho é cada vez mais usado como métrica complementar. Ele compara a energia gerada com a irradiância recebida no plano dos módulos, permitindo avaliar se a usina está operando conforme o recurso solar disponível.
A literatura, como o guideline do NREL, National Renewable Energy Laboratory), principal laboratório americano para a pesquisa e desenvolvimento em energia renovável e eficiência energética, recomenda janelas mínimas de 5 a 15 dias de operação para análises iniciais. No entanto, a aplicação prática exige condições adequadas: usina disponível, módulos limpos, inversores em funcionamento e sensores confiáveis.
O PR tradicional, porém, não corrige influências como a temperatura dos módulos. Daí surgiu o conceito de weather-corrected PR, que ajusta esse fator e permite comparações mais justas entre desempenho real e simulações originais.
“O PR corrigido pelo clima é hoje a métrica mais aceita para análises de desempenho, especialmente em campanhas de curto prazo. Mas ele não resolve tudo: é fundamental monitorar variáveis como indisponibilidade de equipamentos, sujidade dos módulos e clipping dos inversores”, afirma Moret.
Dados de qualidade: o seguro da operação
Tanto P50/P90 quanto PR dependem de dados confiáveis. Piranômetros de classe A podem ter incerteza de até 2,7%, enquanto dados satelitais variam entre 4% e 5%.
Em dias ensolarados, as curvas de irradiância medida e de satélite quase se sobrepõem. Em dias nublados, as diferenças surgem, mas a análise deve se concentrar na integral da curva, ou seja, na energia total de radiação recebida.
Nesse contexto, os dados de satélite, apesar das limitações, são considerados adequados e, muitas vezes, complementares aos dados de campo.
“Investir em sensores de qualidade funciona como um seguro: garante transparência, dá suporte a processos de M&A, reforça a confiabilidade em seguros de performance e reduz disputas entre compradores e vendedores”, destaca Nascimento.
Entre rigor e praticidade
No fim, não existe fórmula única para avaliar ativos solares. Cada projeto exige um nível diferente de profundidade analítica. Em alguns casos, uma combinação de análise operacional e PR já é suficiente; em outros, é preciso recorrer a simulações avançadas com dados em alta resolução.
“O mercado ainda está amadurecendo. Precisamos equilibrar rigor técnico com praticidade, sempre buscando o entendimento entre quem vende e quem compra. O pior cenário é tomar decisões com base em métricas superficiais, sem considerar o contexto completo”, conclui Nascimento.
Assim, a evolução das metodologias de avaliação, aliada ao uso criterioso de métricas como P50, P90 e PR, será determinante para aumentar a transparência, reduzir disputas e garantir negociações mais justas no mercado de M&A solar.
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