Os cortes de geração renovável são, talvez, o maior desafio já enfrentado pelo setor de renováveis no Brasil, classificou recentemente o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, Rodrigo Sauaia. E apesar de conhecido e comentado, é um problema que se agrava com o crescimento da participação das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira.
De acordo com os dados publicados pelo Operador Nacional do Sistema, os cortes de geração solar realizados em 2025 foram proporcionalmente maiores do que nos meses correspondentes de 2024. Em agosto, o equivalente a 20% da energia disponível em usinas solares foi cortado, em agosto de 2024, essa proporção foi de 12%.
Os cortes contabilizados pelo ONS incluem razões de indisponibilidade externa, atendimento a requisitos de confiabilidade, razão energética e restrição indicada no parecer de acesso. Os dados são publicados desde abril de 2024. Na média, de janeiro a agosto de 2025, o equivalente a 13,7% da disponibilidade verificada em tempo real foi cortado, enquanto em 2024, de abril a dezembro, essa média foi de 9,7%.
Apesar de sinalizarem um aumento dos cortes de geração, os dados do ONS podem subestimar o impacto percebido pelos geradores, alerta o presidente da Absolar.
Um problema financeiro…
“Do total de R$ 1,7 bilhão em prejuízos contabilizados pelo setor, o ONS reconhece apenas R$ 1,1 bilhão. Ou seja, quase metade dos impactos fica invisível”, disse Sauaia à pv magazine Brasil durante a feira Intersolar 2025. A metodologia do ONS, por exemplo, desconsidera períodos sem envio de dados de irradiação solar ou ventos, cita o executivo. Além disso, os cortes são classificados em blocos de meia hora, mesmo que tenham ocorrido por diferentes motivos dentro desse período.
“O setor enfrenta redução de investimentos e dificuldade de financiamento para novos projetos centralizados”, disse o analista líder da BloombergNEF, Vinicius Nunes. Segundo os dados da BNEF, os cortes de geração solar chegaram a 14% em 2024 e ficaram em 21% no primeiro semestre de 2025. “Hoje esses cortes já precisam ser considerados em novos projetos, pois não devem desaparecer e podem até se intensificar antes de mitigar. A expectativa é que passem de 30% até 2030. Isso não inviabiliza novos projetos, mas exige dilatação da oferta de financiamento”.
A Absolar busca uma solução para que os geradores recebam o ressarcimento integral pelos cortes. Na última semana, a Aneel recebeu associações, bancos — BNDES, BNB, Bradesco, Itaú, Santander, BTG — e órgãos governamentais para debater a Consulta Pública 45/2019, que pode estabelecer um mecanismo de rateio dos efeitos dos cortes de geração.
Durante a reunião, a agência se comprometeu “aprofundar alternativas de curto prazo para reduzir as dificuldades financeiras de agentes setoriais que preocupam as instituições financeiras que participaram do debate”. O tema é importante não só para que as empresas reequilibrem seu balanço financeiro como também para a tomada de decisão em relação a novos investimentos no país.
…e operacional
O ressarcimento solucionaria o problema financeiro gerado pelos cortes de geração, mas não o problema operacional que causa o curtailment.
“Cerca de um terço a um quarto dos cortes acontecem por falta de linhas de transmissão. Outra parcela relevante, cerca de 25%, se deve à robustez da rede elétrica. Ou seja, metade do problema é infraestrutura física. Em anos anteriores, essa proporção era ainda maior, mas hoje continua representando uma parcela importante, de aproximadamente 50%”, comenta Sauaia.
Para enfrentar isso, o CNP já autorizou a inclusão de compensadores síncronos em subestações, o que ajuda a resolver questões de frequência, tensão e qualidade da energia. Ainda assim, é necessário avançar em uma série de investimentos em infraestrutura.
A assessora da diretoria de Estudos de Energia Elétrica da EPE, Renata Carvalho, citou a previsão de R$ 56 bilhões em projetos licitados para acrescentar 15.000 novos quilômetros de linhas de transmissão e compensadores síncronos, com entrada em operação prevista entre 2028 e 2030, licitados nos últimos anos, que devem demandar R$ 56 bilhões de inve.
“Hoje as margens estão zeradas na região Nordeste, os pedidos de acesso estão sendo frequentemente negados por falta de solução estrutural e há uma ampliação do curtailment”, disse a assessora durante apresentação no Congresso da Intersolar.
Estão em andamento, segundo Carvalho, estudos para definir obras estruturantes para ampliar a capacidade do sistema de transmissão e discussões sobre a revisão das diretrizes após os apagões de novembro de 2023.
Soluções pelo lado da demanda
Além da infraestrutura de transmissão, cada vez mais os cortes de geração acontecem pelo descasamento entre a geração e o consumo. Uma nova lógica de preços, somada ao armazenamento, ajudaria a mitigar parte relevante do problema.
“Precisamos de sinais de preço mais claros. Se a energia fosse significativamente mais barata durante o dia, e houvesse infraestrutura adequada, haveria estímulo para consumidores ajustarem seus horários de uso. Indústrias poderiam adaptar processos, produtores rurais poderiam irrigar e refrigerar no período mais barato, e consumidores residenciais poderiam usar ou armazenar energia nesse horário”, comenta Sauaia.
A agregação de grandes cargas para absorver geração também pode contribuir para diminuir cortes por balanço energético, acrescentou Renata Carvalho, da EPE. Somente no Nordeste, citou, há 18 projetos de hidrogênio verde que poderiam acrescentar uma carga de 23 GW até 2030 e de 44,3 GW até 2038. Outros projetos de data centers poderiam demandar 3 GW de capacidade, embora também concorram com a produção de H2V pelo acesso à rede.
A solução para o curtailment pode vir de várias formas além da expansão da transmissão, acrescentou o CEO da Volt Robotics, Donato Filho. O executivo citou soluções de mercado como preços negativos e leilões de curtailment, em que há oferta de consumo ou corte alternativo de outros players. Incentivar maior flexibilidade no despacho das hidrelétricas, estimular a instalação de armazenamento na geração distribuída solar e regular e incentivar o V2G (vehicle-to-grid), com carros elétricos atuando como baterias, também seriam ações viáveis para mitigar a questão no longo prazo.
Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reutilizado. Se você deseja cooperar conosco e gostaria de reutilizar parte de nosso conteúdo, por favor entre em contato com: editors@pv-magazine.com.
Ao enviar este formulário, você concorda com a pv magazine usar seus dados para o propósito de publicar seu comentário.
Seus dados pessoais serão apenas exibidos ou transmitidos para terceiros com o propósito de filtrar spam, ou se for necessário para manutenção técnica do website. Qualquer outra transferência a terceiros não acontecerá, a menos que seja justificado com base em regulamentações aplicáveis de proteção de dados ou se a pv magazine for legalmente obrigada a fazê-lo.
Você pode revogar esse consentimento a qualquer momento com efeito para o futuro, em cujo caso seus dados serão apagados imediatamente. Ainda, seus dados podem ser apagados se a pv magazine processou seu pedido ou se o propósito de guardar seus dados for cumprido.
Mais informações em privacidade de dados podem ser encontradas em nossa Política de Proteção de Dados.