Sem esperar uma regulação específica, consumidores e empresas já estão movimentando o mercado de armazenamento de energia no Brasil. Segundo um estudo da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (ABSAE) realizado pela NewCharge, a maior parte do crescimento esperado para os próximos anos virá de instalações atrás do medidor, que não dependem tanto de uma regulação específica.
“Nas políticas públicas, o debate é prolongado, mas, quando olhamos para resultados concretos, ainda há poucas entregas. Continuamos na expectativa. O que acontece, de forma interessante, é observar que consumidores e empreendedores não têm essa paciência. O mercado já está acontecendo. E começa nos segmentos em que a decisão está nas mãos do agente”, disse à pv magazine Brasil o presidente da ABSAE, Markus Vlasits.
O estudo projeta que o mercado brasileiro de armazenamento de energia atingirá aproximadamente 71,8 GWh em capacidade instalada até 2034, representando cerca de R$ 77,2 bilhões em investimentos. O estudo foi lançado no estande da ABSAE na feira ESS, parte do evento the Smarter E, paralelo à Intersolar, no dia 27/08.
No período entre 2025 e 2034, o crescimento de sistemas de armazenamento com baterias representa 25% do aumento de potência instalada, considerando os segmentos em frente ao medidor e atrás do medidor (reserva de capacidade e geração distribuída). As baterias devem representar 6% do total de 333 GW capacidade instalada no país até o final de 2034, com cerca de 19 GW.
Além das necessidades diversas que o armazenamento atende, como maior independência da rede e flexibilidade, o crescimento das baterias será impulsionado pela redução de 28% no preço dos ativos de baterias esperada até 2034. Nesse período, a solução mais competitiva, a de clientes C&I e projetos off-grid, sairia de aproximadamente R$ 1.200 em 2026 para aproximadamente R$ 750/kWh instalado.
“O mercado poderia estar mais avançado no Brasil, mas já vemos bastante movimento. A maior parte ainda está em microssistemas na Amazônia, os chamados SIGFIs, sistemas individuais de geração, mas já começam a surgir projetos maiores”, disse à pv magazine Brasil o gerente de consultoria da NewCharge, Guilherme Nizoli. “Temos projetos de 1 MWh até 10 MWh já instalados, com ticket médio de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões por consumidor”.
Segundo o consultor, há cerca de 800 MW de armazenamento instalados no Brasil. Além dos pequenos sistemas off-grid em comunidades isoladas, também começam a surgir projetos de grande porte conectados à rede. O maior do Brasil atualmente, de 10 MWh, foi instalado pela Vale em Mangaratiba (RJ), há cerca de três anos, cita Nizoli. “Também há projetos em São Paulo, instalados atrás do medidor, para reduzir consumo no horário de ponta. Ainda que a maior parte seja off-grid, já vemos projetos em consumidores de média tensão. Concessionárias de estados como Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina já têm projetos conectados.”
O relacionamento com as distribuidoras

Segundo o consultor, a publicação da regulação deve ajudar a impulsionar a adoção, mas não há impedimento para que projetos sejam conectados atrás do medidor, sem injeção na rede elétrica. “O modelo de negócio é carregar a bateria no horário em que a energia é mais barata e disponibilizá-la no horário de ponta. Em regiões como Pará e Bahia, é possível gerar economias de 25% a 30% mesmo para consumidores livres. Isso viabiliza não apenas investimentos próprios, mas também a modalidade de locação, como o Storage as a Service”.
As instalações ainda precisam formalizar um pedido nas distribuidoras de energia, embora o processo seja mais simples que para a geração distribuída. Mas, diferente da GD, não existe um processo regulado com prazos e requisitos claros, então cada distribuidora age conforme sua experiência. A regulação traria mais clareza, mas hoje não tem sido um obstáculo.
A principal preocupação nesses casos, diz Nizoli, é o paralelismo, ou seja, quando a bateria precisa operar em paralelo com a rede elétrica. Existem duas formas de operar atrás do medidor: isoladamente, como backup e sem paralelismo, ou em paralelo, quando o consumidor recebe energia da rede e da bateria ao mesmo tempo.
“Nesse caso, a distribuidora exige garantias de que não haverá injeção na rede e de que parâmetros técnicos (reativos, tensão, frequência) não serão afetados. Também é necessário garantir o anti-ilhamento: se a rede cai, o inversor precisa desligar para não colocar em risco profissionais de manutenção”.
Potencial do mercado de armazenamento em três segmentos
Atrás do Medidor (Clientes C&I): Este segmento, impulsionado pela busca por otimização de custos na tarifa de energia (redução no horário de ponta), é projetado para atingir 32,3 GWh de capacidade instalada, representando cerca de 45% do mercado total. O potencial deste segmento pode ser ainda maior com mudanças nas regras da geração distribuída, empilhamento de receitas (resposta de demanda e serviços ancilares) e projetos associados à mobilidade elétrica.
Em Frente ao Medidor (Reserva de Capacidade): Este segmento, crucial para atender à necessidade de potência do sistema, deverá somar aproximadamente 30,2 GWh (42% da capacidade total), tornando-se o maior segmento até 2034. Outros mercados com potencial significativo, ainda não modelados, são transmissão e distribuição.
Sistemas Isolados e Off-grid: Este segmento, representando 13% do mercado, abrange a hibridização de termelétricas a diesel e a eletrificação rural (programas como Luz para Todos). É fundamental para a descarbonização e universalização do acesso à energia. O estudo considera diferentes aplicações neste segmento, incluindo:
- Off-grid público (SISOL): São os sistemas isolados concentrados no Norte do país. Atualmente 75% da geração que atende esses sistemas é térmica a diesel. O estudo considera a recontratação de usinas em operação existentes, mas com diferentes níveis de hibridização com fontes renováveis e baterias. Inclui um leilão em 2025 para soluções com comissionamento até 2027. Esse mercado representa um potencial de aproximadamente 2,3 GWh/ano em 2034.
- Off-grid público (SIGFI/MIGDI): São sistemas isolados de menor porte também majoritariamente na região Amazônica. O estudo considera metas governamentais (MME) e retrofit de sistemas antigos com baterias de chumbo-ácido. O potencial de investimentos é de R$ 3 bilhões para chegar a 2,2 GWh em 2034.
- Off-grid privado: O estudo foca no atendimento de produtores rurais — somente os pólos de agricultura irrigada tiveram um déficit de 2,5 GW de potência em 2022, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A Absae calcula que esse segmento tem o potencial de acumular 4,8 GWh até 2034, com R$ 4,4 bilhões de investimentos
O estudo completo, com o detalhamento da metodologia, pode ser acessado aqui.
Potenciais adicionais para o armazenamento de energia

Além disso, existem potenciais que não foram estimados pelo estudo, comentou Markus Vlasits. “A transmissão, por exemplo, tem oportunidades claras, mas difíceis de quantificar, pois são muito localizadas. Outro ponto é a microgeração: se houvesse tarifa branca universal ou a implementação séria do curtailment virtual, surgiria automaticamente um sinal econômico para usuários da GD investirem em baterias”.
Ele observa que o marco regulatório para baterias começou a ser debatido em 2020 pela Aneel e que a agência já havia feito uma chamada estratégica de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) sobre o tema em 2016. “Apesar da relevância das políticas públicas, a iniciativa privada está fazendo acontecer por necessidade. Esse é um aspecto positivo, mesmo diante da morosidade regulatória”.
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