Como dimensionar sistemas fotovoltaicos com baterias

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As baterias podem tornar os geradores de sistemas fotovoltaicos ainda mais independentes da rede e contribuir para uma gestão mais completa de seu consumo, com ganhos de economia e de segurança energética. Entretanto, para capturar essas oportunidades, é necessário um dimensionamento adequado das tecnologias que compõem os sistemas híbridos de solar com armazenamento, de acordo com o perfil de cada consumidor.  

Para falar sobre esse tema e trocar dicas, insights e estudos de caso, a pv magazine Brasil reuniu, na última quarta-feira (27/08), na feira Intersolar South America 2025, os especialistas Natália Maestá, CEO da empresa integradora Fonte Solar; Andrey Oliveira, diretor de Produtos e Soluções da Huawei Digital Power Brasil e Natanea Guimarães, Analista Senior de Inteligência de Mercado da Greener, no painel “Como dimensionar sistemas fotovoltaico com baterias”. 

Neste texto, reunimos os principais insights trazidos pelos especialistas.

Capacitação técnica e compreensão de diferentes perfis de carga

A capacitação técnica é fundamental para esclarecer as dúvidas dos consumidores e garantir que a solução ofertada trará os resultados prometidos, segundo os participantes do painel. “É comum encontrar clientes que dizem que armazenamento não funciona ou que é caro”, comentou Natália Maestá, da Fonte Solar. “[Essa percepção] geralmente decorre de falhas no preparo e na capacitação, além da realização incorreta do levantamento de cargas e a falta de definição clara das prioridades”. Como exemplo das consequências da falta de capacitação no início dos projetos, Andrey Oliveira, da Huawei, citou que cerca de 40% das usinas fotovoltaicas atualmente em operação não performam como deveriam.

Mas o executivo alertou que comparar o BESS com o sistema fotovoltaico (PV) é um erro comum no dimensionamento de projetos. “Sempre explico que o processo é exatamente o contrário. No PV, olhamos para a geração da fonte solar e, a partir disso, verificamos como atender a carga, sem considerar necessariamente o comportamento dela. Já no BESS, o caminho é inverso: primeiro precisamos entender a carga para então fazer todo o dimensionamento e definir como o sistema vai se comportar para atendê-la.”

Diretor de Produtos e Soluções da Huawei Digital Power, Andrey Oliveira

Há dois temas específicos a considerar para o dimensionamento da carga, observou Oliveira: o regime permanente, que é comumente analisado, e as cargas transitórias, especialmente importantes para dimensionar o BESS que vai operar sozinho, por exemplo como backup. Nesse caso, é fundamental avaliar elementos de carga transitórios — motores de partida, inversores de frequência, soft starters — para garantir que o sistema consiga atender às necessidades.

“Esses transitórios nunca foram considerados em projetos fotovoltaicos tradicionais, mas no armazenamento são essenciais. Sem engenheiros eletrotécnicos e profissionais qualificados, o risco não é apenas de baixa performance: em muitos casos, o equipamento nem chega a ligar”, disse Oliveira.

“O que o cliente quer nem sempre é o que ele precisa”

Muitos clientes chegam às empresas de energia manifestando o desejo de se desconectar totalmente da rede elétrica, afirmando não querer nenhum tipo de ligação com a concessionária, observou Maestá. “No entanto, o que o cliente deseja nem sempre corresponde ao que ele realmente precisa. Nesses casos, a equipe técnica realiza o dimensionamento detalhado, com planilhas de geração e consumo, e apresenta diferentes propostas para atender a demanda.”

Ela citou como exemplo recorrente os produtores rurais:

“Muitas vezes, esses produtores enfrentam interrupções de energia que duram apenas algumas horas, mas, por já terem sofrido perdas de produção no passado, acabam solicitando sistemas de armazenamento capazes de garantir independência total da rede. A análise técnica, porém, mostra que não há necessidade de desconexão completa. O dimensionamento adequado leva em conta a média de horas sem fornecimento, oferecendo segurança energética e reduzindo prejuízos sem gerar custos desproporcionais.”

A CEO da Fonte Solar, Natália Maestá.

Frequentemente, a Fonte Solar apresenta, além da proposta inicial, duas ou três alternativas adicionais, que simulam diferentes cenários de autonomia e investimento. “Essa abordagem permite ao cliente compreender melhor suas opções e perceber que a solução economicamente viável muitas vezes não é a que ele imaginava inicialmente”, disse Maestá. O diagnóstico detalhado e a construção de propostas personalizadas ajudam a alinhar expectativas e necessidades reais.

Muitas empresas focam apenas na redução de custos via arbitragem, sem considerar o risco de perdas de faturamento em caso de interrupções, acrescentou Oliveira:

“Há indústrias que não podem tolerar variações de energia, o que exige soluções como sistemas UPS (no-break), capazes de atuar em segundos e garantir fornecimento contínuo até que a bateria entre em operação. Isso mostra que a segurança energética depende diretamente da aplicação e pode ir além do backup, incluindo arbitragem, redução de consumo e suporte a eventos transitórios.”

Nesse contexto, observou, há também desafios técnicos a serem superados, como a capacidade dos sistemas de armazenamento de gerar energia reativa de magnitudes diferentes em cada fase, algo que os equipamentos atuais ainda não fazem de maneira satisfatória.

O potencial de mercado: payback em 2,4 anos

O esforço para capacitação técnica e desenvolvimento de ferramentas se justifica diante do potencial de mercado que já é percebido no país, com modelos de negócios viáveis e vantajosos para clientes de diversos perfis. Natanea Guimarães, da Greener, destacou que há três segmentos principais de aplicações: residencial, comercial e industrial (C&I), e agronegócio/microrredes.

“No mercado residencial, a motivação central ainda não é financeira, mas sim a confiabilidade energética. Diante da fragilidade da rede, que registra em média 14 horas de interrupções anuais e pode chegar a 30 ou 36 horas dependendo da região, consumidores já buscam soluções para garantir continuidade no fornecimento. O episódio recente de apagão em São Paulo ilustra bem essa demanda”, comentou Guimarães.

No setor comercial e industrial, além do backup, o armazenamento viabiliza estratégias de redução de custos por meio de ferramentas como load shift e peak shaving. Como as tarifas do grupo A diferenciam períodos de ponta e fora de ponta, esse perfil de consumidor tem um incentivo econômico mais claro para os projetos.

Já no agronegócio, a dor principal é a disponibilidade de energia. Muitas regiões já não contam com infraestrutura suficiente de transmissão para atender à demanda, e nesse contexto os sistemas de armazenamento associados a geradores a diesel e usinas fotovoltaicas viabilizam microrredes híbridas, capazes de oferecer energia estável e previsibilidade para operações críticas.

Analista senior da Greener, Natanea Guimarães.

A expectativa é que com a redução esperada do Capex, caso seja mantida a curva observada nos últimos anos, essas aplicações se tornem ainda mais atrativas nos próximos anos, destacou a analista da Greener.

“Segundo nosso estudo, espera-se uma queda de cerca de 20% no custo de sistemas híbridos até 2030, especialmente pela redução dos preços das baterias. Esse movimento tem impacto direto no payback dos projetos. Em simulações de microrredes com menor uso de diesel, por exemplo, o tempo de retorno é de apenas 2,4 anos, considerado altamente competitivo. Já no segmento residencial, o prazo ainda é mais elevado, mas segue uma curva semelhante à da energia solar em seus estágios iniciais, quando o payback girava entre cinco e seis anos até se reduzir gradualmente conforme o mercado amadureceu”.

Ferramentas e softwares ainda em desenvolvimento

A Fonte Solar desenvolveu ao longo de 10 anos de experiência na área de armazenamento uma planilha de dimensionamento, criada a partir da teoria e validada na prática, que se tornou uma ferramenta confiável utilizada pela empresa, juntamente com softwares de geração, que continuam sendo indispensáveis. “Muitas vezes vemos sistemas de backup sem geração suficiente, sem inversor adequado ou com motores que provocam picos de corrente”, comenta Maestá.

Há poucas opções disponíveis no mercado de softwares para simulação energética com dados reais dos equipamentos de BESS, acrescenta Oliveira. “Por exemplo, em um dimensionamento de sistema para irrigação no agronegócio, é possível calcular o melhor ponto de LCOE comparando gerador a diesel, solar e BESS. No entanto, quando o BESS opera sozinho, sem o diesel, entra em modo VSG (Virtual Synchronous Generator). Nesse caso, a maioria dos equipamentos reduz a capacidade de 100% para cerca de 70%, funcionando como buffer para atender às cargas variáveis. Então quando falamos, novamente, de transitórios ou outras condições específicas, ainda falta um software que incorpore esses fatores no dimensionamento”, observou.

Dicas práticas para dimensionar sistemas com baterias

  • Faça um diagnóstico detalhado da carga: levante perfil horário, sazonalidade e transitórios (partida de motores, inversores de frequência etc.).

  • Defina a prioridade do cliente: economia, segurança energética ou ambos.

  • Simule cenários: apresente alternativas de autonomia e estratégias tarifárias (peak shaving, time shift).

  • Use ferramentas de apoio: planilhas próprias ou softwares de simulação — mas valide com dados reais dos equipamentos.

  • Considere a infraestrutura elétrica: retrofits têm limitações; sistemas novos podem ser planejados para expansão.

  • Inclua todos os custos no orçamento: integração, proteções, UPS, adequações da rede e manutenção.

  • Planeje expansão futura: preveja espaço físico, conexões e compatibilidade de inversores.

  • Alinhe expectativas: muitas vezes, o cliente não precisa de independência total, mas de autonomia para períodos críticos.

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