O avanço da geração distribuída, a maior penetração de fontes intermitentes, a eletrificação da energia e os novos padrões de consumo exigem uma transformação na forma de operar a rede elétrica. O conceito de Operador do Sistema de Distribuição (DSO, na sigla em inglês), surge como alternativa para uma operação mais eficiente, digitalizada e participativa.
A implementação desse modelo no Brasil pode facilitar a integração de recursos energéticos distribuídos (REDs) e participação ativa dos consumidores, criando novos mercados e modelos de negócios, mas ainda precisa passar por uma série de definições.
Um estudo encomendado pelo ONS com as consultorias PSR e Daemon sugere a criação de um sandbox regulatório que permita simular novas definições técnicas e regulatórias.
“Em todos os casos analisados, a coordenação entre operadores de transmissão (TSOs) e operadores de distribuição (DSOs) é um desafio em evolução constante”, afirma o diretor de TI, Relacionamento com Agentes e Assuntos Regulatórios do Operador Nacional do Siste Elétrico (ONS), Maurício de Souza, à pv magazine. Segundo ele, “no Brasil, apesar da autonomia das operadoras de rede ainda ser incipiente, o fato de todas estarem sob regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é uma vantagem. Há menos barreiras institucionais para avançar em modelos integrados”.

Novas fontes de remuneração para GD
A especialista em Estudos Internacionais na PSR, Nina Hubner, disse à pv magazine que o DSO deve atuar como um facilitador, garantindo a conexão de novos consumidores e geradores distribuídos enquanto mantém o funcionamento adequado da rede de forma segura e contínua.
“Além disso, o DSO deve atuar como provedor de serviços adicionais com intuito de otimizar, de forma conjunta, consumo e geração conectados em sua rede. É interessante observar que, nesse modelo, abre-se espaço para que os próprios recursos energéticos distribuídos possam prover serviços adicionais, encontrando remuneração adicional em novos mercados”, disse à pv magazine. “Por exemplo, caso o DSO tenha maior flexibilidade para organizar mecanismos competitivos para contratar serviços dos REDs, incentivos econômicos extras estariam sendo criados, e a geração distribuída fotovoltaica poderia se beneficiar.”

DSOs independentes e isonomia
A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) defende um modelo no qual as distribuidoras permaneçam como operadoras físicas da rede (DNOs), enquanto os DSOs assumem o gerenciamento econômico e técnico, de forma independente.
“O DSO é uma nova figura institucional, neutra, independente e orientada por dados, cuja missão será orquestrar a operação técnica e econômica da rede de forma transparente, eficiente e voltada aos interesses de todos os consumidores”, diz o vice-presidente da ABGD, Carlos Café. “Esse novo operador não pode estar subordinado a estruturas que concentrem interesses específicos.”

Benefícios e desafios do modelo
Entre os benefícios esperados do modelo estão a integração mais eficiente de REDs, a gestão ativa da demanda, um mercado de serviços ancilares e despacho inteligente. “O DSO é o elo que falta para consolidar o protagonismo da geração distribuída, integrando os REDs de forma justa e eficiente”, defende Café.
Entretanto, o modelo também traz desafios: custos iniciais elevados, necessidade de regulação robusta, independência funcional garantida e adaptação das operadoras de rede ao novo ambiente.
A especialista da PSR, Nina Hubner, ressalta que os DSOs demandarão aprimoramentos do modelo atual, como a aplicação de tarifas dinâmicas. “É um passo essencial para dar aos REDs a visibilidade da variação de preços frente as mudanças e necessidades sistêmicas, permitindo que estes possam atuar de forma ativa, ao enxergar benefícios econômicos com a mudança de comportamento”, diz.
The Smarter E South America
O exemplo das microrredes em Minas Gerais
O modelo também pode incentivar a criação de microrredes, promovendo resiliência local. Ao mesmo tempo, a operação de microrredes serve de ensaio para o tipo de operação mais detalhada que será exigida dos DSOs.
“Microrredes são sistemas locais de geração, consumo e armazenamento de energia que podem operar conectados ou isolados da rede principal”, explica o gerente de Engenharia da Cemig, Wagner Veloso. A companhia vem aplicando o conceito de microrredes em projetos de P&D e de contingência.
A Cemig está implantando sistemas em cidades como Serra da Saudade (MG), associando armazenamento e solar. “As microrredes possibilitarão uma melhoria da qualidade da energia nos locais onde forem instaladas, favorecendo todo o sistema, incluindo as usinas fotovoltaicas”, afirma Veloso.
Caminhos para a transição brasileira
A complementariedade entre DSOs e microrredes “é particularmente adequada ao Brasil, por sua extensão territorial, desigualdade de acesso à energia e vulnerabilidade climática”, pontua Café. Segundo ele, “microrredes e geração distribuída, quando bem integradas por um DSO neutro, podem reequilibrar a lógica do setor, promovendo eficiência, justiça tarifária e segurança energética”.
Veloso complementa que “teremos uma rede 100% inteligente, com monitoramento em tempo real, automação, IA, detecção preditiva de falhas, integração com GD, e resposta rápida a eventos climáticos”.
Para a ABGD, é essencial que o modelo brasileiro de DSO respeite o arcabouço legal vigente. “É fundamental que a implementação dos DSOs caminhe em harmonia com a Lei nº 14.300/22, garantindo previsibilidade para os milhões de brasileiros que investiram em geração distribuída”, diz Café.
A construção desse novo modelo, no entanto, exigirá mais do que avanços tecnológicos. Demandará diálogo entre agentes do setor, definição clara de papéis regulatórios, investimentos em digitalização e, sobretudo, uma visão de longo prazo que coloque o consumidor no centro da transformação. O sucesso da transição para DSOs e microrredes dependerá da capacidade do Brasil de alinhar inovação com inclusão energética, sustentabilidade e estabilidade regulatória.
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