Regulação e leilão: as regras para o jogo começar

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Apontadas como solução estratégica para a integração das fontes renováveis variáveis, como solar e eólica, as baterias seguem sem o devido reconhecimento na política energética nacional. A promessa de um novo leilão voltado à contratação dessa tecnologia esbarra em indefinições regulatórias e em um cenário político incerto, enquanto o desperdício de energia solar já custou mais de R$ 4 bilhões ao país em 2024, segundo estimativas do setor. 

Já há cerca de 18 GW de projetos com baterias prontos para serem cadastrados no próximo leilão, segundo a Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (ABSAE). A associação estima que a contratação de apenas 2 GW poderia destravar R$ 10 bilhões em investimentos. 

“O marco regulatório não está no caminho crítico do leilão. O que falta é a publicação da portaria de diretrizes”, disse à pv magazine o presidente da ABSAE, Markus Vlasits. Além disso, ele destaca que as discussões técnicas com a Aneel estão amadurecidas, e que não há mais dúvidas fundamentais que impeçam o avanço da regulação. 

Apesar da mobilização, a expectativa entre especialistas é que o leilão ocorra apenas em 2026. A troca de comando na Secretaria de Planejamento e Transição Energética do MME adiciona mais um grau de incerteza. O novo secretário, Gustavo De Marchi, terá que se familiarizar com os temas em um momento delicado, com riscos crescentes de desequilíbrio no sistema. 

“Postergar esse leilão é muito ruim para o Brasil. Temos um problema grave de curtailment (despacho forçado de usinas renováveis), para o qual o governo não apresentou solução. A bateria é uma solução”, disse à pv magazine Samir Moura, general manager da Canadian Solar. Mas ninguém investirá sem regras claras sobre uso e remuneração das baterias, alerta o executivo. 

Curtailment crescente, solução conhecida 

A falta de flexibilidade na rede tem levado o Operador Nacional do Sistema (ONS) a desligar usinas renováveis em horários de sobra de geração. Em 2024, o órgão suspendeu a operação de 445 empreendimentos fotovoltaicos por cerca de 400 mil horas, desperdiçando o equivalente a 14,6 TWh, ou R$ 1,6 bilhão em energia não aproveitada, segundo Cristiano Piroli, diretor de vendas da Canadian Solar. A maioria desses cortes não tem compensação. 

Com o avanço das renováveis, a rede elétrica precisa de mecanismos para lidar com variações de geração ao longo do dia. É aí que entram as baterias. Além de reduzirem o curtailment, elas podem prestar serviços ancilares, suavizar rampas de carga e garantir mais confiabilidade ao sistema. 

“O Brasil tem histórico de estímulo à inovação via leilões, como com eólica e solar. Mas com baterias seguimos travados”, criticou Márcio Takata, CEO da Greener, durante o Greener Summit. 

Apesar da movimentação do setor privado, que levou a capacidade instalada de armazenamento a mais do que triplicar entre 2023 e 2024, o mercado ainda está abaixo de 1 GWh. A regulação e o leilão é que devem viabilizar a maior parte dos projetos represados e levar o mercado à escala dos GWh. 

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Empilhamento de receitas e projetos híbridos 

A classificação dos custos de uso da rede ainda é incerta e só ficará clara com a publicação da regulação e da portaria com as regras do leilão. “O Brasil pode criar um mercado competitivo de armazenamento, mas as regras atuais elevam os custos desnecessariamente”, diz o analista sênior da Aurora Energy Research, Matheus Dias. Simulações da consultoria indicam que projetos híbridos poderiam oferecer preços 19% mais baixos que sistemas de armazenamento independentes, e que permitir a captura de receitas de arbitragem reduziria os lances em até 17%. 

De acordo com proposta inicial colocada em discussão pelo governo, os contratos oferecidos no leilão terão duração de 10 anos para projetos BESS com um mínimo de 30 MW de capacidade e disponibilidade para operar por pelo menos 4 horas por dia. O início da operação dos projetos é previsto para julho de 2029, com receita fixa anual paga a cada mês. 

Segundo estudo da Aurora, a atual proposta do leilão impediria os desenvolvedores de reterem receitas de arbitragem — o armazenamento de energia durante período de alto custo da energia e injeção em períodos de baixa — e não define regras claras para participação em serviços ancilares. Além disso, não está claro se projetos híbridos, como solar com bateria integrada, poderão participar da concorrência. 

Existe uma grande oportunidade de geração de receita para as baterias com a arbitragem de energia com o crescimento da participação de fontes variáveis na matriz, que levará a variações mais acentuadas do preço da energia ao longo do dia. Os preços caem nos picos de geração solar e sobem à noite com a alta da demanda líquida. Os spreads diários devem chegar a R$150/MWh na década de 2030 e ultrapassar R$200/MWh no longo prazo, segundo as projeções da Aurora. 

“O que falta é segurança jurídica. A regulação precisa vir, mesmo que com ajustes posteriores. Sem isso, é impossível planejar investimentos de longo prazo”, afirmou o gerente executivo da Auren Energia, Alexandre Oliveira. Ele lembra que, no início da expansão solar no Brasil, projetos foram viabilizados mesmo sem uma regulamentação perfeita e que o mesmo poderia ocorrer com baterias. 

Com uma oferta represada de projetos, bilhões prontos para serem investidos e uma tecnologia cada vez mais competitiva, o Brasil tem nas mãos a chance de repetir o sucesso vivido com eólicas e solares. Mas, sem uma ação decisiva agora, pode ver mais uma vez a inovação ser adiada — e a conta, como sempre, cair no colo dos consumidores. 

 

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