A reforma tributária aprovada em janeiro de 2025 representa uma mudança estrutural na forma como os tributos são cobrados no Brasil e isso deve afetar com intensidade o setor de energia. O novo modelo propõe mais transparência ao consumidor, à semelhança do padrão europeu, com os tributos sendo adicionados ao preço final, o que permite saber exatamente o quanto está sendo pago de imposto.
A partir de 2026, a tributação incidirá sobre o fornecimento de bens e serviços, independentemente da natureza do bem (físico, intangível ou imóvel), alterando profundamente como advogados e empresas analisam o chamado fato gerador. Com a reforma tributária, a apuração da receita sofrerá mudanças relevantes: os tributos sobre o consumo (CBS e IBS) deixarão de ser embutidos nos preços e passarão a ser destacados nas notas fiscais. Com isso, o faturamento das empresas será considerado pelo valor líquido de impostos, exigindo ajustes nos controles contábeis e nos indicadores financeiros.
Por isso, durante o Greener Summit 2025, um dos painéis mais aguardados foi o que abordou de forma direta e prática os impactos da reforma tributária no setor de energia. O debate foi conduzido por Moisés Alves, analista sênior de negócios na Greener, com participação de dois especialistas em direito tributário Einar Tribuci, sócio na Tribuci-Fonseca Advogados, e Thiago Bao Ribeiro, sócio na Bao Ribeiro Advogados e CEO da Bao Contabilidade.
Ao longo da discussão, os palestrantes analisaram as principais mudanças trazidas pela Lei Complementar nº 214/2025, detalhando os efeitos esperados para os segmentos de geração centralizada, geração distribuída, comercialização e armazenamento de energia. O foco do painel foi mostrar como as empresas precisam se preparar desde já, com ajustes contratuais, reestruturação de modelos de negócio e revisão de planejamento tributário, para enfrentar os desafios que começam já em 2026 com a fase de transição.
Geração centralizada x geração distribuída: impactos distintos
“Na geração centralizada e no mercado livre as alterações são mais suaves. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) será substituído pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), mas a sistemática de diferimento permanece. O tributo será pago pelo consumidor e a principal novidade é a incorporação do Imposto sobre Serviços (ISS) na operação, o que antes não ocorria”, explica Ribeiro.
E acrescenta: “já na geração distribuída (GD), os impactos são bem mais sensíveis. Hoje, esse modelo opera majoritariamente por meio de locação de equipamentos, uma atividade que até então não era tributada nem por ICMS, nem por ISS. Com a reforma, passa a ser tributada pelo IBS, exigindo reestruturação imediata dos modelos de negócio”.
Perdas de benefícios e aumento da carga para o consumidor
Um dos principais efeitos negativos é a eliminação dos benefícios tributários na geração compartilhada. Eles passam a ser limitados ao autoconsumo local até 1 MW. “Em estados como os do Sudeste, o impacto será expressivo para o consumidor, que verá aumento na carga tributária”, explica o sócio na Bao Ribeiro.
Além disso, o modelo de locação de ativos, comum na GD, passará a ser tributado tanto pelo IBS quanto pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), com alíquota cheia de cerca de 28%. Há, no entanto, previsão legal de redução de 70% sobre essa alíquota em determinadas condições, o que pode resultar em uma carga efetiva de aproximadamente 9%.
Mesmo com a redução, esse valor representa um aumento de cerca de 6% na comparação com os atuais 3,65% de Programa de Integração Socia (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Quem não conseguir repassar esse custo ao consumidor final terá que absorver essa perda na margem de lucro.
Riscos jurídicos e cruzamentos regulatórios
Um dos alertas mais relevantes do painel foi sobre o fim do PIS/Cofins em 2027. Hoje, a isenção de ICMS na compensação da energia gerada está vinculada à isenção desses tributos. Com sua extinção, há o risco de perda também da isenção do ICMS, o que poderia comprometer significativamente a viabilidade da geração distribuída.
Também foi destacado um ponto pouco conhecido. Ribeiro explica que os contratos de locação de imóveis registrados até o fim de 2025 poderão manter a carga tributária reduzida de 3,65% ao longo de sua vigência, conforme artigo 487 da Lei Complementar nº 214, uma janela importante para integradores e investidores.
BTS e o “combo do Big Mac”: estratégias para mitigar impactos
Para o advogado da Bao Ribeiro, uma das soluções apontadas para redução da carga tributária é a transformação de contratos em modelos BTS (build to suit). “Nesse arranjo, a empresa constrói o ativo e o incorpora ao imóvel, caracterizando a operação como locação imobiliária, o que permite aplicar a redução de 70%”, explica.
Para ilustrar a lógica, Ribeiro fez uma analogia com o “combo do Big Mac”. No fast food, o refrigerante tem PIS e COFINS com alíquota zero, pois já foi cobrada do fabricante, portanto grande parte do valor do hambúrguer é alocada nele, o que reduz a carga tributária do combo. Da mesma forma, ao transformar locação de equipamento em locação imobiliária com benfeitorias, pode-se reduzir a tributação de 16% para algo próximo de 9% ou 14%, a depender de créditos tributários apurados na operação, segundo projeções de escritórios especializados.
Armazenamento e cadeia de suprimentos: atenção ao Capex
A reforma também traz impactos diretos sobre o CAPEX dos projetos. Equipamentos solares, antes isentos de ICMS, passarão a ser tributados em 28% (IBS + CBS). Para contratos de aluguel, essa alíquota pode cair com os 70% de redução, mas a compra direta de equipamentos não terá o mesmo aproveitamento de créditos.
Por outro lado, há um alívio no caso de baterias e sistemas de armazenamento (BESS). Hoje penalizados por IPI, esses equipamentos se beneficiam da extinção desse imposto a partir de 2027, passando a ter tributação mais neutra sob IBS e CBS. Isso deve aumentar a competitividade do armazenamento no médio prazo.
Contratos e sistemas: adaptação precisa começar agora
Segundo Ribeiro, a reforma começa a ser testada em 2026, com a obrigatoriedade da emissão da DERE (Declaração Eletrônica de Regimes Específicos). “Todos os geradores precisarão adequar seus sistemas de faturamento e controle financeiro, pois os tributos serão recolhidos automaticamente e os créditos disponibilizados de forma centralizada”.
Mais do que entender a nova legislação, é fundamental revisar contratos desde já. Cláusulas genéricas de reequilíbrio tributário podem não ter validade para contratos assinados após janeiro de 2025. A recomendação é que os contratos citem diretamente a Lei Complementar 214/2025 e prevejam renegociação em caso de desequilíbrio.
Planejamento estratégico: mais do que tributos, uma mudança de modelo de negócio
“A reforma tributária não trata apenas de impostos, mas de reestruturação completa de modelos de negócio”, alerta Ribeiro. É preciso revisar cadeias de fornecedores, regimes de apuração, cláusulas contratuais, sistemas de ERP (Enterprise Resource Planning ou Planejamento de Recursos Empresariais), além de fazer simulações financeiras com base no novo cenário.
Os advogados especialistas reforçam que, em setores com contratos de 10 anos ou mais, como o de energia, o planejamento precisa ser feito agora. Cenários indicam que, sem adaptação, a carga tributária pode saltar de 16,5% para até 35% após 2033, o que pode inviabilizar projetos já em operação.
A reforma tributária deve redefinir o jeito de fazer negócios, especialmente no setor de energia. Os advogados finalizaram o painel reforçando que o tributo agora incide sobre o consumo, portanto a empresa que não ajustar rapidamente seus contratos, processos e modelos pode perder margem, competitividade e até viabilidade de operação.
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