Após anos de crescimento acelerado, o setor da geração distribuída (GD) entra agora em uma fase de consolidação que exige estratégias mais refinadas, especialmente para reter clientes em modelos como a energia solar por assinatura, cuja proposta de valor ainda precisa amadurecer aos olhos do consumidor final. Essa foi a tônica do evento “Meet & Grenner”, realizado pela Greener na última semana em São Paulo (SP), onde representantes da consultoria e os principais players do setor estiveram presentes.
O boom inicial da GD, impulsionado pela Lei nº 14.300/2022, incluiu a modalidade de geração compartilhada, que oferece descontos de 10% a 15% na conta de luz, dependendo da á. Esse percentual vem sendo percebido como modesto diante das exigências do consumidor médio, especialmente no modelo remoto. O desafio central deixa de ser regulatório ou técnico e passa a ser comercial e educacional. Com margens apertadas e alta rotatividade de clientes, fidelizar se tornou prioridade absoluta.
De acordo com o diretor de operações da Bulbe, empresa mineira especializada no desenvolvimento, construção e operação de fazendas solares próprias para a geração compartilhada, as usinas precisam entregar a geração projetada. Já é difícil explicar o modelo e trazer o cliente, mas se você não entrega a energia esperada, aí complica mais ainda. Nossa regra é entregar energia para o cliente que está entrando, e isso fica mais fácil quando se é dono dos próprios ativos”. O serviço de energia de geração compartilhada, ele precisa ter uma jornada impecável, uma confiança do cliente com a empresa, da empresa com o cliente, uma experiência muito diferente”, explica.
O executivo explica que a abertura do mercado livre é uma oportunidade para empresas de geração distribuída (GD), mas que é necessário ter sucesso na praça local antes de expandir. A migração dos 90 milhões de clientes para o mercado livre dependerá da capacidade das empresas de oferecer uma solução convincente. “A abertura do mercado livre não acontecerá de forma abrupta, mas de forma faseada. Algumas empresas de GD já têm clientes perguntando sobre a oferta de outros serviços, indicando uma demanda futura. A GD pode ser uma forma de levar o cliente ao mercado livre, oferecendo primeiro a solução de GD e, posteriormente, a solução de mercado livre”.
Os números mostram um avanço expressivo. Já são mais de 3,45 milhões de sistemas fotovoltaicos conectados à rede no Brasil, beneficiando cerca de 5,14 milhões de unidades consumidoras, das quais 1,5 milhão em formato remoto. Só a mini GD acumula 7,3 GW em potência instalada, sendo 5,1 GW acima de 500 kW. O volume contratado em GD remota já soma 7,4 GWp, com mais de 2.200 usinas em operação e presença em 1.000 cidades.
Minas Gerais é símbolo de oportunidades e entraves
De acordo com dados da Greener, Minas Gerais sintetiza o paradoxo da GD no Brasil. O estado tem 317 mil sistemas instalados, com potência acumulada superior a 4,4 GW e 9 milhões de unidades consumidoras. Estima-se que entre 5 e 6 milhões dessas unidades sejam potenciais clientes da geração remota, mas apenas cerca de 300 mil aderiram ao modelo. Isso significa que mais de 90% do mercado mineiro precisa ser conquistado, desmentindo a percepção de saturação.
Levantamentos de preços indicam que, dependendo da classe de consumo, porte da fatura e modelo de contratação, o benefício ao consumidor pode variar de 7% a 30%. A média real, no entanto, gira em torno de 14% a 15%, uma vantagem que, por si só, não basta para fidelizar. Para os geradores, a remuneração líquida, já descontados os custos de gestão, inadimplência e churn rate (métrica que mede a taxa de cancelamento ou abandono de clientes), varia entre R$ 80 e R$ 140 por MWh, enquanto o consumidor final economiza cerca de R$ 160 por MWh em relação à tarifa cheia.
A percepção de valor é o cerne do problema. Para o consumidor, não basta receber uma fatura com economia. É preciso confiar na entrega, entender o serviço e vivenciar uma jornada digital fluida. O sucesso passa por comunicação transparente, educação sobre o modelo e entrega impecável.
No público corporativo (PJ), o modelo é consultivo, focado em economia e previsibilidade. Já no residencial (PF), as estratégias são digitais, com foco em branding e automação para reduzir o CAC (Custo de Aquisição de Clientes) e controlar o churn rate, que segue elevado em diversos portfólios.
Com a taxa Selic a 10,5% ao ano em 2024, o capital ficou mais caro, e o apetite por risco, menor. O setor passou por uma mudança profunda: empresas migraram de modelos greenfield para fusões e aquisições (M&A), focando em ativos maduros e com retorno mais previsível. Desde 2021, mais de 335 usinas e 1,03 GWp foram transacionados em 27 operações. a maioria no segundo semestre de 2024.
Essa reconfiguração também reflete a preocupação com riscos de conexão e construção. Atrasos nas obras e na autorização junto às distribuidoras ainda afetam a rentabilidade e são vistos como entraves à previsibilidade, especialmente em estados como Minas Gerais, onde o volume de solicitações é alto.
Armazenamento de energia é a próxima fronteira
À medida que a GD cresce, surgem novos efeitos colaterais no sistema elétrico, como intermitência, esgotamento de pontos de conexão e vertimentos em hidrelétricas. O armazenamento de energia por baterias desponta como solução-chave. De acordo com o Institute for Energy Economics and Financial Analysis (IEEFA), os custos das baterias de íon-lítio caíram mais de 80% na última década e seguem em queda. Mas, para avançar, será preciso criar sinais econômicos claros e marcos regulatórios robustos.
Os leilões de reserva de capacidade, promovidos pelo governo federal, são apontados como instrumentos centrais para viabilizar essa infraestrutura, garantindo estabilidade e segurança ao sistema elétrico e abrindo caminho para a inclusão de baterias como ativos estratégicos no planejamento energético nacional.
GD remota segue crescendo e ainda subestimada
Apesar da desaceleração recente, em 2024, a contratação de trackers e estruturas fixas caiu 16% frente a 2023, o modelo remoto segue em expansão. Muitos projetos continuam fora dos radares estatísticos oficiais da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por estarem em fase de construção ou licenciamento.
Levantamentos internos do setor apontam para uma nova onda de crescimento, baseada em portfólios mais eficientes, regionalização da operação e uso intensivo de tecnologia. Um estudo nacional em andamento pretende mapear essa nova geração de ativos, identificando oportunidades de precificação e gargalos regionais.
A GD no Brasil não está em crise, está amadurecendo. A próxima etapa exige profissionalização operacional, visão de longo prazo, investimentos em tecnologia, educação do consumidor e modelos sustentáveis mesmo sem incentivos tarifários.
A fidelização deixa de ser uma meta de marketing e se torna um pilar estratégico para a sustentabilidade do segmento de geração compartilhada. Vencer o desafio do churn, gerar valor percebido e garantir rentabilidade exigirá mais que euforia, será preciso consistência.
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