Especial Módulos: Fabricantes revelam cenário de alta demanda chinesa e o futuro do mercado fotovoltaico no Brasil

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De acordo com projeção da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a capacidade instalada de energia solar no Brasil deve crescer cerca de 25% em 2025, com uma previsão de adicionar 13,2 GW à rede, totalizando mais de 64,7 GW. Enquanto o mercado fotovoltaico brasileiro mantém seu ritmo de expansão, os principais fornecedores de módulos fotovoltaicos no país, estão atentos a novos fatores de pressão como o aumento da demanda interna na China, novos subsídios governamentais e a construção de grandes usinas tem afetado o fluxo de exportações e começa a impactar diretamente os preços e a disponibilidade de módulos no Brasil, um dos destinos mais estratégicos para a indústria.

Para traçar esse cenário, a pv magazine entrevistou grandes fabricantes de módulos que atuam no Brasil como AE Solar, Astronergy, Canadian Solar, Huasun, JA Solar, JinkoSolar, Longi, Risen Energy e Trina Solar, que revelam como esses desafios alteraram suas estratégias de fornecimento neste contexto de mudanças. As empresas também comentam sua atual participação de mercado no país e compartilham previsões de preços para os próximos meses, algumas com posições mais conservadoras, outras com análises que vão na contramão da tendência.

Entre divergências e convergências, os depoimentos revelam um mercado em adaptação, pressionado por forças globais e decisões logísticas que vão muito além das fronteiras brasileiras. A entrevista também mostra como os fornecedores vêm reposicionando seus diferenciais em meio à competitividade crescente e aos desafios para garantir previsibilidade no abastecimento.

Corrida chinesa por módulos e impacto limitado no Brasil

A maior parte das empresas consultadas acredita que o pico de demanda interna na China é um fenômeno temporário e que não comprometeu o fornecimento ao Brasil. Os executivos entrevistados da Trina Solar e a Canadian Solar, por exemplo, afirmam que a capacidade produtiva global ainda está acima da demanda. “Os fabricantes hoje teriam capacidade de fornecer mais de 1 TW (terawatt), enquanto o mercado global consome cerca de 600 gigawatts”, afirmou o gerente de Vendas da Canadian, Carlos Ribeiro.

Gabriel Magdalon é o country manager da JA Solar.

Imagem: Reprodução LinkedIn

Apesar da confiança, há quem reconheça desequilíbrios no curto prazo. A JA Solar relatou aumento de preços no primeiro trimestre e pressões nos prazos de entrega. “O desafio para os fabricantes é ajustar a capacidade sem repetir o cenário de superprodução do passado”, destacou o country manager da empresa, Gabriel Magdalon.

Entre os casos de maior impacto, o diretor regional da AE Solar, Jorge Moura, admitiu que a prioridade dos fabricantes locais de atender a demanda chinesa gerou atrasos logísticos para projetos internacionais. Já a Huasun afirmou que sua escala e eficiência permitiram manter o cronograma de entregas. “Entregamos 1,8 GW às gerações centralizada e distribuída em apenas três meses”, afirmou seu country manager, Vinicius Luiz.

Gabriel Gonçalves é diretor comercial para Utility da Longi no Brasil.

Imagem: Longi

No Brasil, a percepção é de estabilidade. A Longi classificou o momento como “pontual e limitado no tempo”, de acordo com seu diretor comercial para Utility no Brasil, Gabriel Gonçalves. A Astronergy reforçou que o impacto foi sentido apenas nos preços, não na disponibilidade. Já a Risen assegura que não houve qualquer restrição de capacidade.

Participação de mercado: domínio chinês se consolida

Com cerca de 8 GW fornecidos desde 2012, a Risen Energy se posiciona entre os quatro maiores players do país. A JinkoSolar, líder de mercado, entregou 3,02 GW em 2024 — cerca de 17% do total nacional. “O Brasil continua sendo um mercado estratégico para nós”, afirmou o gerente de vendas da empresa, Gervano Pereira.

Outras marcas também vêm ganhando espaço. A Trina Solar comercializou 663 MW só em geração distribuída neste ano. Gonçalves, da Longi, informou que já ultrapassou 5 GW instalados, e Luiz, da Huasun prevê o envio de 1 GW de módulos HJT nos próximos meses. Já Moura, da AE Solar, afirma que a empresa vem expandindo com distribuidores como a Pulse Solar e comemorou o fornecimento de 85,15 MWp.

Carvalho, da Canadian Solar, afirmou que o Brasil representou de 23% a 25% de seu market share em 2023, mas reconheceu queda na demanda por usinas de grande porte. Ainda assim, 15% dos negócios globais da marca seguem vindo do Brasil.

Preços do watt-pico: alta volatilidade e negociações caso a caso

Definir o preço médio do watt-pico para módulos Tier 1 no Brasil é uma tarefa arriscada, segundo as fabricantes. Segundo Carvalho, a Canadian Solar aponta uma faixa de US$ 0,095 a US$ 0,105, mas o executivo ressalta que “esses valores são muito sensíveis a características técnicas, como comprimento de cabos, especificações de projeto, inspeções em fábricas, condições de entrega, prazos contratuais, variáveis que  dificultam cravar um valor específico”.

O vice-presidente regional da Trina Solar, Álvaro García-Maltrás, confirmou que os preços subiram em abril, enquanto Luiz, da Huasun, atribuiu os reajustes à alta do polissilício. “Essa pressão de custos gerou aumentos progressivos”, afirmou. Já o country manager da Astronergy, Eduardo Gama, destacou que muitos fabricantes enfrentaram perdas financeiras significativas em 2024 e agora buscam margens mais saudáveis.

De acordo com Moura, da AE Solar, “oscilações cambiais, custos logísticos e taxas criam um ambiente hostil. Mesmo assim, seguimos oferecendo tecnologia de ponta.”

Tendência de preços: entre a recuperação e o controle por concorrência

As projeções de preço para o segundo semestre de 2025 dividem opiniões. Os executivos da Canadian Solar antecipam uma alta e cravam um possível valor de 12 centavos de dólar FOB. “Mas tudo depende da postura dos compradores brasileiros diante da concorrência de fabricantes de menor qualidade”, alerta Carvalho.

Pereira, da JinkoSolar, concorda com a tendência de alta no curto prazo, seguida de estabilização. Já a Astronergy e a AE Solar apostam na manutenção dos preços atuais. “A capacidade de produção ainda supera a demanda global. A concorrência vai segurar os preços”, avalia Moura.

Na outra ponta, o executivo da Longi vê espaço para recuperação. “Depois de preços historicamente baixos, a retração da oferta global vai puxar os valores para cima”, projeta Gonçalvez. Já Luiz, executivo da Huasun, reforça que ajustes graduais são esperados, principalmente durante o primeiro semestre.

TOPCon, HJT ou BC? As apostas das fabricantes para o futuro da tecnologia

O futuro dos módulos fotovoltaicos está sendo disputado entre tecnologias como HJT (Heterojunction), Back Contact (BC) e o já consolidado contato passivo por óxido de túnel (TOPCon). A corrida tecnológica já começou, e nem todos estão apostando nos mesmos cavalos.

Gervano Pereira é o gerente de vendas da JinkoSolar.

Imagem: JinkoSolar

A maioria das fabricantes ainda aposta na dominância da TOPCon – como relatou a recente matéria da pv magazine global – embora algumas apontem limitações técnicas e crescimento de alternativas como o HJT e o Back Contact. “A TOPCon manterá mais de 50% do mercado nos próximos quatro anos”, afirmou García-Maltrás, da Trina, citando dados da Associação da Indústria Fotovoltaica da China (CPIA) e do Roteiro Tecnológico Internacional para Energia Fotovoltaica (ITRPV). Gervano, da Jinko concorda. De acordo com o executivo, “a tecnologia TOPCon é eficiente, compatível com as fábricas atuais e tem excelente custo-benefício”.

Já o gerente de Serviços Técnicos e Produtos da Canadian, Marcus Carvalho, cita um estudo interno que diz que até 2027 essa tecnologia represente em torno de 80% a produção global, tendendo a diminuir em 2028, com a perovskita e a tandem no horizonte. “O TopCon ainda está crescendo, não atingiu seu pico”, diz Carvalho. “Ainda tem uma vida útil bem longa pela frente”, completa. A empresa já opera com duas linhas de produção em HJT pretende alcançar 1,5 GW até o final de 2025 e abrir uma fábrica da tecnologia nos Estados Unidos. 

Marcus Carvalho é gerente de Suporte Técnico e Produtos da empresa.

Imagem: Canadian Solar

A Risen e a Huasun também apostam na HJT. “TOPCon está próxima do seu limite de eficiência. O HJT já se destaca por durabilidade e retorno sobre o investimento”, afirma o country manager da Huasun.

Gonçalves, da Longi, classificou a TOPCon como tecnologia transitória. Para a empresa, a próxima líder será o Back Contact. “Exige mais investimento, mas oferece maior eficiência e será a nova referência do setor. Em 2024, lançamos o Hi-MO 9, nosso primeiro módulo bifacial com a tecnologia BC 2.0”, explica a empresa, que investiu US$ 140 milhões e mobilizou mais de mil pesquisadores para o desenvolvimento.

Enquanto isso, empresas como a Astronergy preferem não embarcar nessa disputa, pelo menos por enquanto. “Quando avaliamos custo x benefício, o TOPCon oferece o melhor retorno ao cliente final”, afirmou Gama, que descarta qualquer plano atual para HJT ou Back Contact.

Logística e escala: competividade no prazo de entrega

Ricardo Marchesini é o country manager da Risen Energy.

Imagem: Reprodução LinkedIn

A capacidade de entrega também virou critério competitivo. O country manager da Risen Energy, Ricardo Marchezini, afirma que suas sete fábricas somam 48 GW e garantem atendimento completo à demanda brasileira, enquanto a Longi compartilha que possui 120 GW de capacidade global, e diz conseguir fazer embarques semanais entre 20 MW e 100 MW, conforme o projeto.

Marcus Carvalho afirmou que a Canadian Solar está apta a atender mais de 50% do mercado nacional e tem concentrado esforços em integradores de menor porte. A Trina, por sua vez, reforça a robustez de sua cadeia de fornecimento, com uma fábrica no Brasil capaz de produzir até 3 GW/ano e um portfólio que inclui trackers com conteúdo local.

Gama, da Astronergy e e Pereira da Jinko destacam a presença de times locais e suporte técnico como diferenciais. AE Solar, com 2,5 GW de capacidade global, está expandindo a produção para acompanhar o ritmo do mercado, segundo Moura. Já na Huasun, com 20 GW de capacidade, Luiz afirma estarem preparados para atender tanto projetos de grande porte quanto distribuidores.

Freio na geração centralizada e foco no pequeno

Entre os fabricantes, há um consenso: o mercado de grandes usinas fotovoltaicas está atravessando um momento de retração. Carvalho, da Canadian Solar, fala em “poucos projetos novos” até 2026 e aponta taxas de juros elevadas e curtailment como os principais freios. Gama, da Astronergy faz coro: “Grandes projetos enfrentam dificuldades por conta dos baixos preços de PPA e do curtailment”.

Já García-Maltrás, da Trina, aponta o impacto negativo dos impostos de importação sobre módulos. A AE Solar, por sua vez, aposta na redução de preços e soluções sob medida como caminho para manter a atratividade dos investimentos, conforme Moura. Já a Jinko mantém o otimismo: “Há uma base sólida para o crescimento sustentável do setor no Brasil”, diz seu gerente de vendas, mesmo diante de um ambiente desafiador.

Para a Huasun, a recente queda na taxa básica de juros pode destravar novos investimentos. “Estamos bem-posicionados para atender à nova onda de demanda”, afirma Vinicius Luiz, que aposta na eficiência dos módulos HJT para atrair empreendedores com foco em performance.

Crítica à tributação: “Não temos fabricantes, temos montadores”

As críticas à atual política de importação são quase unânimes. Para a Risen, zerar o imposto de importação é o primeiro passo, já que “não há fabricação nacional de similaridade técnica”, segundo Pereira. A Canadian Solar vai mais longe e aponta a instabilidade como o maior problema. “Mudanças sem previsibilidade são extremamente danosas”, diz Carvalho, citando o salto de 0% para 25% na tarifa em menos de 30 dias como exemplo de risco regulatório. “No Brasil temos montadores, não fabricantes. Um módulo nacional custa três vezes mais que um importado”, conclui o gerente.

Trina Solar e AE Solar também pedem previsibilidade e desoneração. Pereira, da Jinko, critica o contrassenso entre a taxação de módulos e os compromissos de descarbonização, e defende o controle de qualidade para evitar a entrada de produtos que entregam menos do que prometem. A Huasun alerta que “temos um dos maiores potenciais solares do mundo. O que falta é um ambiente regulatório mais estável”, afirma Luiz.

Baterias ganham protagonismo

Por fim, o setor de armazenamento começa a se destacar como extensão natural da geração solar, e como resposta aos gargalos da rede elétrica. Segundo Carvalho, a Canadian Solar já movimenta bilhões com a Recurrent Energy e não deixa dúvidas de que “bateria é o presente e o futuro”. A empresa defende incentivos e regulamentação específica para o setor.

A Risen aparece como uma das líderes com quase 20 anos de experiência em baterias e mais de 4 GWh fornecidos. De acordo com Marchezini, a empresa já figura entre os maiores fornecedores de BESS dos EUA. No Brasil, quer replicar esse sucesso com soluções próprias e fabricação verticalizada.

A Trina Solar tem uma unidade dedicada, a Trina Storage, com fabricação desde a célula até o sistema final, e já opera na América do Sul com equipe técnica própria, conforme informou García-Maltrás. A Jinko aposta em produtos como o SunTera para grandes usinas e vê o armazenamento como “chave para mitigar o curtailment”, afirma Pereira.

Nos bastidores, os fabricantes se preparam para aproveitar a janela aberta pelo leilão de baterias anunciado pelo governo. Se os incentivos vierem na mesma proporção da demanda reprimida, o Brasil poderá finalmente integrar armazenamento à sua transição energética de forma estruturada e competitiva.

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