Muito sol, pouco sol: último verão foi marcado pelas variações regionais

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Ainda que haja bastante recurso solar para ser convertido em energia no Brasil, várias condições ambientais e meteorológicas podem reduzir a eficiência da geração solar. Dentre os principais fatores estão a cobertura de nuvens, a presença de aerossóis e partículas em suspensão na atmosfera, a temperatura e a inclinação do módulo fotovoltaico, a topografia, o sombreamento sobre os painéis, entre outros.

Além disso, é durante o verão que também ocorre o pico da estação chuvosa em grande parte do país, o que pode afetar diretamente a quantidade de luz solar que chega aos painéis solares. As chuvas mais frequentes e intensas podem diminuir a eficiência dos sistemas fotovoltaicos, o que exige monitoramento constante das condições meteorológicas.

Portanto, o verão no Hemisfério Sul não representa apenas um marco astronômico de transição sazonal, mas também um período estratégico para o aproveitamento máximo do recurso solar, com implicações diretas sobre a viabilidade e a expansão das fontes renováveis no Brasil.

Contudo, padrões atmosféricos regionais e globais podem influenciar significativamente esse recurso, reforçando a necessidade de seu monitoramento e previsão contínuos para um planejamento energético mais eficiente e realista.

Foi o que aconteceu no último verão: as variações meteorológicas regionais tiveram grande impacto nos níveis de irradiação ao longo do território nacional. Entre dezembro de 2024 a março de 2025, os maiores valores de irradiação solar média mensal ocorreram predominantemente nas regiões situadas entre os estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás, com picos próximos de 8 kWh/m².dia no mês de fevereiro. Em contraste, as regiões próximas à faixa costeira, sobretudo nas porções leste e norte da costa nordestina, apresentaram redução significativa na radiação solar, com anomalias negativas em março.

Essas variações na irradiação solar foram fortemente influenciadas pelo posicionamento, intensidade e persistência das chuvas típicas do período úmido. A combinação do fenômeno La Niña com as temperaturas acima da média no Oceano Atlântico Tropical Norte contribuiu para a maior persistência da cobertura de nuvens no extremo norte do Brasil, que se estendeu de forma localizada até a faixa litorânea do Nordeste. Isso limitou a quantidade de radiação solar incidente na superfície, resultando em anomalias negativas de irradiação em todos os meses analisados (Figura 1).

Figura 1 – Irradiação solar média mensal, em kWh/m².dia, para: a) dezembro de 2024, b) janeiro de 2025, c) fevereiro de 2025, d) março de 2025, e) dezembro a março; e respectiva anomalia para: f) dezembro de 2024, g) janeiro de 2025, h) fevereiro de 2025, i) março de 2025, j) dezembro a março.

Por outro lado, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2025, o centro-sul do Brasil experimentou irradiação solar superior à média. (Figuras 1g e 1h). Esse excedente chegou, localmente, a cerca de 1 kWh/m².dia acima dos valores climatológicos típicos para o período, sobretudo no interior do estado de São Paulo em janeiro.

O acoplamento do La Niña — que tende a deslocar as chuvas típicas de verão para latitudes mais ao norte — com as águas mais aquecidas do Atlântico Tropical e uma dinâmica atmosférica mais fraca e perturbada sobre a América do Sul contribuíram para a limitação do transporte de umidade do oceano para o continente. Isso reduziu o potencial das chuvas e a densidade da cobertura de nuvens na Região Sudeste, mesmo no auge da estação chuvosa.

Outro fator que contribuiu para esse cenário foi a atuação de sistemas de alta pressão anômalos, que limitaram o desenvolvimento de nuvens, reduziram o potencial de precipitação e favoreceram a ocorrência de ondas de calor. Essas altas pressões variaram em intensidade, persistência e posicionamento no final de janeiro, em todo o mês de fevereiro e no início de março.

Esses contrastes regionais reforçam a importância do monitoramento climático contínuo e da modelagem preditiva para o setor de energia solar. Entender como fenômenos globais, como o La Niña, e condições locais, como sistemas de alta pressão, afetam a distribuição da radiação solar é essencial para otimizar o planejamento e a operação dos sistemas fotovoltaicos no Brasil. A variabilidade do último verão mostra que, mesmo com grande potencial solar, a geração de energia depende de uma análise integrada entre clima e tecnologia.

Luiz Fernando dos Santos, meteorologista da Tempo OK

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