Quando olhamos para o setor de geração de energia elétrica no Brasil e observamos o crescimento das fontes renováveis — o país se destaca entre aqueles com a maior participação de renováveis em sua matriz de energia elétrica —, com o crescimento estrondoso da Micro e Minigeração Distribuída (MMGD), o crescimento da eletrificação e o aumento dos veículos elétricos (VEs), podemos questionar quais são os próximos passos e o por quê disso tudo.
Vou tentar fazer um breve panorama com base no que vi na Inglaterra, onde estou morando atualmente. A Inglaterra faz parte do Reino Unido, o primeiro país a assinar um compromisso de zerar as emissões de carbono até 2050.
Em um mês aqui, observei um grande volume de carros elétricos nas ruas e zonas de zero emissão de CO2, conceito que nunca vi no Brasil. Ao pesquisar, me deparei com um grande volume de eventos cujo foco é a transição energética para alcançar Net zero, o que me chamou atenção.
Trazendo aqui um breve contexto histórico, em 2015, 197 países assinaram na COP 21 o chamado “Acordo de Paris” cujo objetivo era o de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) até 2050. Alguns países definiram uma data anterior, exemplo de Alemanha com meta para 2045. Já outros optaram por uma data posterior, a exemplo da China que se comprometeu a zerar as emissões líquidas até 2060. O Brasil é um dos países que assinou o acordo com meta para 2050.
Uma informação importante, reforçando a importância estratégica do Brasil no acordo, é que em 2025 teremos a COP 30 sendo realizada em nosso país. A importância do Brasil se dá principalmente por conta da necessidade da preservação da Amazônia, que é um sumidouro de carbono representativo na esfera mundial. Ou seja, esta será uma oportunidade de o país reforçar seu compromisso com um futuro de emissões líquidas zero. Eu acredito que após a COP 30 poderemos ter mudanças no que tange ações no país mais efetivas para honrar o compromisso de 2050. E é aqui que alguns profissionais e empresas que atuam no setor de energia poderão ser mais demandadas.
Outros países antecipam problemas que Brasil enfrentará
Como os países conseguirão alinhar a redução — ou compensação — das emissões de gases de efeito estufa (GEE) com sua atual dependência de combustíveis fósseis, a pressão política por crescimento econômico e desenvolvimento social, a limitação tecnológica, entre outros desafios? Enfim, a lista de obstáculos, assim como o gap entre o que é prometido e o que efetivamente se realiza, é bastante extensa.
Já no meu primeiro evento aqui — o 2025 AEE Europe Energy Conference, organizado pela Association of Energy Engineers de Atlanta, Geórgia (EUA), e realizado em Paris (Figura 01) —, pude observar problemas que, acredito, o Brasil ainda enfrentará. É comum olharmos para mercados mais maduros, como o europeu, e entendermos que eles servirão de referência para políticas em países onde determinadas ações ainda estão “engatinhando”. Além disso, os desafios enfrentados por aqui — ainda que com diferenças significativas, muitas vezes relacionadas às condições climáticas e à disponibilidade de recursos naturais — também poderão, em alguma medida, se repetir no contexto brasileiro.

Imagem: Acervo Vanessa Martins
Dentre as sessões de que participei, destaco a que tratou sobre VEs. A Europa representa atualmente 18% das vendas globais de carros elétricos, ficando atrás apenas da China, que concentra 64% dessas vendas, segundo dados de 2024. Um dos principais desafios apontados foi a dificuldade de integrar a eletrificação da mobilidade a uma rede elétrica antiga — uma realidade que exige altos investimentos em modernização.
Nesse contexto, o armazenamento de energia, aliado a políticas tarifárias voltadas à mudança no perfil de consumo, surge como uma das soluções para ampliar a participação de fontes renováveis, como a solar, e garantir a viabilidade da eletrificação do setor energético. Isso porque enfrentamos não apenas um aumento na demanda por energia elétrica, mas também o desafio do horário de carregamento dos veículos — um ponto crítico, que terá impacto na forma de tarifação.
Traçando aqui um paralelo com o cenário atual do Brasil, que discute uma possível abertura do mercado livre de energia para consumidores de baixa tensão, além dos projetos de sandbox tarifários que estão sendo testados em algumas regiões do país. Entre esses projetos, destaca-se um que propõe uma tarifa diferenciada para determinados horários, permitindo o carregamento de veículos elétricos com maior benefício financeiro ao consumidor.
Na Figura 02, o professor Alberto Ramos Millán, da Universidade Politécnica de Madrid, apresenta uma introdução sobre a dificuldade da Espanha em integrar a geração de energia solar com o perfil de consumo de energia elétrica. Ele destaca o aumento no número de carros elétricos no país e os desafios associados ao carregamento, uma vez que diferentes marcas possuem tempos e potências de carregamento variados. A pergunta central do estudo apresentado é: “Quando carregar?”. Por fim, o professor compartilha sua pesquisa sobre a antecipação do número de recargas necessárias em centros de troca e carregamento de baterias, contribuindo para o planejamento da infraestrutura futura.

Imagem: Acervo Vanessa Martins
Voltando à questão do como honraremos os compromissos de 2050 — e me restringindo aqui ao setor de energia, responsável por cerca de metade das emissões —, observamos que o transporte responde por 53%, a geração de energia elétrica por 11% e as edificações por 6% das emissões totais (BloombergNEF, 2025).
Diante disso, a pergunta é: como atacar cada um desses setores de forma eficaz? Segundo a BloombergNEF, o futuro do Net Zero no país exigirá o uso de diferentes tecnologias, sendo a eletrificação o principal motor dos esforços de descarbonização.
Considerando todas as problemáticas aqui apresentadas — e a meta compartilhada por 197 países —, fica o questionamento: qual serviço você irá oferecer que ajude a resolver esse desafio global? Qual a solução que sua empresa vai entregar?
Quando falamos de eficiência energética, uma área extremamente ampla, a pergunta se afunila: qual solução sua empresa pode dominar e se tornar referência? E isso não precisa, necessariamente, acontecer em todo o Brasil — pode começar na sua cidade, na sua região, no seu contexto. Qual será a sua especialidade?
E se pensarmos em geração de energia combinada com a futura abertura do mercado livre para todos os consumidores, somada à possibilidade de escolha entre diferentes enquadramentos tarifários, surge outra questão: você pretende ser uma empresa que domina essas alternativas? Com a criação do mercado regulado de créditos de carbono no país, quais oportunidades surgirão?
Infelizmente — ou felizmente — não há uma única resposta. E esse é exatamente o ponto: veja o quanto esse mercado é amplo. Diversas são as oportunidades.
Estou lendo um livro intitulado “Mission Zero: The Independent Net Zero Review”, em que o autor, Chris Skidmore, afirma que o século XXI é o século das grandes oportunidades econômicas ligadas ao Net Zero. A pergunta então é: qual dessas oportunidades você vai escolher para aproveitar?
Se eu pudesse te dar uma dica, seria: não tente “surfar todas as ondas”. Não queira ser uma empresa que resolve todos os problemas. Escolha uma área de foco, observe o que está mais próximo de você, do seu contexto, da sua área de atuação. Na minha visão, quem tiver uma visão ampla, mas focar em um ponto específico, terá mais chances de crescer nesse mercado que já está se transformando e que ainda irá se expandir muito, impulsionado pelo volume massivo de investimentos esperados.
E para finalizar, cito aqui: “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”, Antonio Machado.
É exatamente assim que vejo os próximos anos do setor de energia no Brasil: um terreno em construção. Temos muito a aprender com a experiência dos outros países, mas também com a nossa própria realidade — nossos erros e acertos, nosso clima, nossas desigualdades sociais, nossa dimensão continental e o comportamento da nossa população. Eu quero fazer parte daqueles que estão testando, se desafiando, enfrentando o novo e aplicando. E você?
Sobre a autora: Vanessa Martins, atua no setor de solar desde 2017 com homologações de projetos de MMGD. As mais de 1.800 homologações e seu imenso interesse pelas regras do setor, tornaram-na uma das grandes especialistas em regulação GD no país. Possui formação em Engenharia de Energia pela UFGD, Mestrado em Eficiência Energética pela UFMS, especialização em Administração – FGV e está cursando MBA Setor elétrico pela FISUL. Atualmente, atua como consultora independente especializada em resolução de conflitos com distribuidoras de energia, além de ser palestrante e mentora em temas relacionados à regulação.
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